Parte 6
"Nossa, estou começando a entender Química!"
Carlos em meio aos fenômenos físicos, químicos e energia
– Interessante aquela analogia que você usou para explicar a influência da pressão sobre a ebulição da água. Será que você pode comparar a força necessária para abrir a caixa do palhaço com o calor necessário para fazer a água ferver sob diferentes condições de pressão? | ||
– Acho que essa não é uma boa comparação... O calor é uma transferência de energia térmica que ocorre entre objetos com diferentes temperaturas, mas não há a realização de trabalho mecânico, ao contrário do que acontece na abertura da caixa. A gente nem pode dizer que um objeto tem mais calor que outro, porque calor mesmo é só a transferência dessa energia. Ou seja, é uma manifestação da diferença de temperatura entre os corpos. | ||
– Acho que isso seria um bom exemplo do que o Bachelard chamava de obstáculo epistemológico... Às vezes tentamos simplificar o ensino com metáforas e analogias e a razão acaba se acomodando a elas. Às vezes induz mesmo ao erro, ao invés de buscar superar a dificuldade inerente de aprender! Mas o calor é só transferência de energia? Não tem transferência de átomos, moléculas ou vapores? |
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– Não, não há nenhuma transferência de massa. Durante muito tempo se acreditou que existisse uma coisa chamada calórico, um fluido invisível que seria transferido entre os objetos de diferentes temperaturas. Enfim, o calor é energia térmica em trânsito! O calor pode ser medido e quantificado em calorias ou em joules. Uma quilocaloria (kcal) corresponde ao calor necessário para aumentar em um grau Celsius a temperatura de um quilograma de água. Qualquer livro de Física tem o fator de conversão de caloria pra joules: 1 cal = 4,184 joules. | ||
– Mas eu achava que o calor era medido pela temperatura... Sempre que a moça do tempo aparece na televisão, ela diz que vai fazer calor e que a temperatura vai aumentar... | ||
– A temperatura é uma medida da energia cinética das moléculas que compõem um sistema, lembra-se?... | ||
– Energia cinética? Argh! |
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– Bem, vamos do começo... Energia é definida como a capacidade de realizar trabalho, como levantar um peso ou forçar uma corrente elétrica através de um circuito. Então, quanto maior for a energia de um objeto, maior será a sua capacidade de gerar trabalho. Existem duas formas importantes de energia: a energia cinética e a energia potencial. A energia cinética está associada ao movimento de um corpo. Bom, já que você é matemático e gosta de fórmulas, vejamos as deste livro: para um corpo de massa m e velocidade v, a energia cinética (Ec) é calculada assim: Ec = ½ mv² |
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– Como matemático, de fórmulas eu entendo! Mas você não tem um exemplo, digamos, mais concreto? | ||
– Tenho sim. Olha só, um caminhão tem maior capacidade de gerar trabalho que uma bicicleta se ambos estiverem à mesma velocidade. E mais: dois caminhões idênticos geram diferentes quantidades de trabalho, se estiverem em velocidades diferentes. | ||
– E a outra energia, como era mesmo o nome? | ||
– A energia potencial representa a energia que um corpo possui que é dependente das forças que atuam sobre ele. Sendo assim, não há expressão matemática que a represente. Mas dá pra pensar em um caso simples. Imagine um corpo de massa m a uma altura h sobre a superfície da Terra. Ele possui energia potencial: ela depende da sua massa, da altura em que está e da aceleração da gravidade, que é representada por g. Então, a equação da energia potencial nesse caso será:
Ep = mgh Então, quanto maior for a altura h, maior será o valor da energia potencial. Outro tipo de energia potencial muito importante em Química é a que ocorre envolvendo duas partículas carregadas eletricamente, por exemplo, q1 e q2. Nesse caso, a energia potencial é proporcional à distância r entre elas, ou seja: Ep = cte.(q1 . q2) / r
Com isso, quando duas partículas com carga estão infinitamente separadas, o valor r é muito grande; aí podemos considerar que a energia potencial é nula. Se duas cargas possuem o mesmo sinal, como dois prótons, o numerador é positivo e a energia potencial aumenta à medida que a distância entre eles diminui. De forma oposta, se duas cargas possuem sinais opostos, como um próton e um elétron, o numerador é negativo e a energia potencial se reduz à medida que a distância diminui. |
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– Isso me lembra a aula sobre a Física de Aristóteles: ele afirmava que a potência e o ato formavam a estrutura dos entes finitos. A potência só pode ser descrita por sua relação com o ato, pois é a possibilidade de se transformar em ato. Já o ato é a realidade desdobrada; juntos eles são a transformação do ser, o devir. | ||
– E depois você diz que a Química é que é complicada... (ri) Mas é isto mesmo: a energia potencial é aquela que se transforma na energia cinética, que corresponde ao seu ato. As duas juntas formam a energia total do sistema, o seu devir... | ||
– Então essas duas energias existem juntas? | ||
– Sim! E a energia total de um sistema é a soma das energias cinética e potencial. Etotal = Ec + Ep O valor da energia total é sempre constante, é o que os cientistas chamam de Lei da Conservação da Energia. Isso não quer dizer que uma forma de energia não possa se transformar em outra, e sim que a sua soma terá sempre um valor constante para um dado sistema. Para você que gosta de futebol, um bom exemplo é uma bola que é lançada para cima. No início do lançamento, ela tem energia cinética alta e energia potencial nula. No início da queda ocorre o inverso: sua energia potencial é alta e sua energia cinética é zero. Podemos calcular o valor de cada uma das energias em todos os instantes, você vai ver que a sua soma é constante. À medida que uma energia aumenta, a outra necessariamente diminuirá.
Essa variação de energia pode ser expressa como o resultado do valor final da energia menos seu valor inicial. Assim: E = E final - E inicial Outra situação interessante é a questão das transformações químicas, já que geralmente elas ocorrem com troca de energia. Neste caso, a forma mais utilizada para expressar a energia é a Entalpia (H). Mas a expressão matemática é praticamente a mesma: H =
H final - H inicial
Então, se numa reação química ocorre liberação
de energia para o meio externo, a H final será menor que a H inicial, logo
H é negativo
(menor que zero). Esse processo é chamado de exotérmico.
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– Ah, isso eu sei! Ex quer dizer para fora, como em exportação, externo... | ||
– Isso! Então, uma reação exotérmica coloca energia para fora. (faz uma pausa) Continuando: por outro lado, se a transformação química requer absorção de energia, a H final será maior do que a H inicial, logo H é positivo (maior que zero). Esse processo é então chamado de endotérmico. Assim sendo: H < 0 processo exotérmico H > 0 processo endotérmico |
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– Energia negativa? Pensei que isso era coisa de esoterismo... | ||
– Ih, você misturou as estações... Observe que o valor negativo de H representa apenas um referencial, ou seja, a quantidade de energia final é menor que a quantidade de energia inicial, não quer dizer que a energia apresenta valor negativo. Além disso, é importante lembrar que a Lei da Conservação da Energia continua valendo. A energia absorvida na transformação química veio do meio externo, que teve sua energia diminuída. Da mesma forma, se a transformação química ocorreu com liberação de energia, o meio externo teve sua energia aumentada. | ||
– E essa liberação de energia pode ocorrer na forma de calor, então! Nossa, estou começando a entender Química! Peraí, se o calor é medido em calorias, o que a gente mede com o termômetro? | ||
– Medimos a temperatura, que é a medida daquela mesma energia cinética que falamos antes, associada às moléculas presentes em um corpo. | ||
– E por que aqui falamos em graus Celsius e nos Estados Unidos eles falam em graus Fahrenheit? | ||
– Existem diferentes escalas de medida de temperatura, as mais conhecidas são: a Celsius, a Fahrenheit, a Réaumur... Mas a unidade oficial de temperatura é o kelvin. Sabe por quê? O valor de zero kelvin corresponde a um estado em que a energia cinética de uma molécula ou de um átomo seria a menor possível, quer dizer, ela estaria completamente parada, sem vibração das suas ligações nem qualquer movimento aleatório. Um kelvin (1 K) corresponde a 1/273,16 da temperatura do ponto triplo da água, que é 0,01ºC. | ||
– Então o grau kelvin é medido a partir do grau Celsius? Fiquei confuso... | ||
– Não! Primeiro, não é grau kelvin, é só kelvin. Ele é uma unidade de medição de temperatura, mas não é uma escala, como a escala Celsius. Na escala Celsius, criada em 1742, foi definido que o ponto de congelamento da água corresponderia a 0ºC e o ponto de ebulição da água corresponderia a 100ºC, desde que medidos à pressão atmosférica padrão. 1ºC corresponde a 1 K. Você pode converter valores de graus Celsius em kelvin pela fórmula K = °C + 273,15 O grau Fahrenheit foi criado em 1724; hoje em dia é usado em poucos países, mas entre esses países estão os Estados Unidos, o que dá muita força econômica a ele. O ponto de congelamento da água nessa escala é 32ºF; o ponto de ebulição é 212ºF. Existe uma outra escala chamada Rankine, em que o valor zero corresponde a 0 K, mas um grau Rankine (1ºRa) corresponde a 1ºF. Além dessas, tem a escala Réaumur, que foi muito utilizada na França, e que se baseava em um termômetro feito com álcool e não com mercúrio, mas essa escala caiu em desuso. O valor de 0 o Re corresponde a 0ºC, mas nesta escala, o ponto de ebulição da água é 80ºC. |
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– Essa conversa toda está me dando calor... Chega! Vou para o quarto ligar o ar-condicionado e dormir! Até amanhã! | ||
– Ah, mas não bota muito frio não, tá?! |
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