Neurocognição

A aquisição de memórias

É evidente que, se a consolidação das memórias de longa duração baseia-se em alterações sinápticas, a aquisição das mesmas deve depender do uso dessas mesmas sinapses. Aliás, isto é intrínseco ao postulado de Ramón e Cajal, que hoje se sustenta nos achados de Greenough, Geinisman, Katarina Braun e seus colaboradores, entre outros.

Por outro lado, é também evidente que as regiões do cérebro e as sinapses que participam na formação das memórias de curta e de longa duração devem ser em boa parte as mesmas; já que todos nós recordamos em essência a mesma informação uma hora ou um mês depois de adquirí-la. Isto, apesar de que uma hora depois da aquisição nossa memória de longa duração está apenas começando a ser formada e a memória que nos permite responder é só a de curta duração.

Que partes do cérebro participam na aquisição das memórias? Muitas. Em primeiro lugar, as regiões responsáveis pela percepção e análise dos diversos estímulos sensoriais que conformam cada experiência, e/ou do conjunto de pensamentos e memórias prévias em que se baseiam os insights. É claro que na aquisição das memórias visuais deve participar o córtex visual, na memória olfativa o córtex olfatório, nas memórias verbais as áreas corticais responsáveis pela linguagem, e assim por diante. Nas memórias com um componente motor (tocar certa música ao piano), deve intervir o córtex motor correspondente aos dedos em questão. É também evidente que, sendo impossível adquirir memórias sem um estado mínimo de alerta (inclusive durante o sono), as regiões do cérebro responsáveis por manter esse estado devem estar também ativadas quando aprendemos algo novo. Por outro lado, é praticamente inimaginável a aquisição de alguma memória fora de algum estado emocional determinado: nós e os demais animais estamos sempre em algum estado emocional: mais ou menos contentes, satisfeitos, insatisfeitos, ansiosos, cansados etc. Os diversos estados de ânimo e as emoções mobilizam, como vimos, em maior ou menor grau, vias neuro-humorais específicas: a dopaminérgica, a noradrenérgica, a serotonérgica, as colinérgicas. Assim como temos no sangue sempre algum nível de adrenalina, corticóides e hormônios sexuais; esses níveis só atingem o zero quando morremos.

Além dos mecanismos acima, é também claro que nas memórias de forte conteúdo aversivo ou emocional intervêm a região da amígdala basolateral, nas memórias com um forte conteúdo espacial participa o hipocampo etc.

Porém, participar não equivale a fazê-lo de uma forma sempre imprescindível ou protagônica. É possível, sem dúvida, adquirir muitas memórias apesar de lesões de todas as estruturas mencionadas, mas nem sempre muito bem. Outras estruturas a elas ligadas assumem seu papel; nisso, o cérebro é mestre. Sem dúvida, as memórias com pouco conteúdo emocional são adquiríveis em sujeitos com lesão bilateral da amígdala, ou memórias declarativas importantes podem ser formadas em pessoas idosas com bastante perda celular no hipocampo e no córtex entorrinal. Por outro lado, é em relação com a modulação hormonal das funções nervosas, memórias com conteúdo sexual podem ser adquiridas na presença de níveis muito baixos de testosterona ou estrogênios, e memórias de medo podem ser adquiridas com pouca adrenalina circulante.

Além das regiões corticais correspondentes a cada sentido (visão, audição, olfato, tato, gosto) ou ato motor, e/ou daquelas a partir das quais é possível evocar outras memórias ou pensamentos (nos insights, por exemplo), há certas estruturas nervosas que provavelmente participam na aquisição de todas ou quase todas as memórias declarativas: o hipocampo, o córtex entorrinal e as áreas a elas associadas. O hipocampo intervém também na aquisição de muitas memórias de habilidades manuais ou sensoriais (nadar, andar de bicicleta, usar um teclado). É provável que na aquisição destas últimas intervenham sempre ou quase sempre o núcleo caudado e o cerebelo.

Não existe a menor dúvida de que na aquisição e na evocação de todas as memórias de curta e de longa duração, declarativas e procedurais, participa ativamente e de maneira essencial a memória de trabalho. Sem ela, não haveria a meta-análise das informações procedentes dos sistemas sensoriais e/ou dos sistemas de armazenamento de memórias que é função da memória de trabalho. Confundiríamos, tanto do ponto de vista sensorial como cognitivo, o joio e o trigo de maneira permanente. Lembremos aqui como a simples falha (não a falta) de memória de trabalho perturba a vida cognitiva dos esquizofrênicos.

Vemos, assim, que a procura das sinapses que se alteram morfológica e funcionalmente para sustentar memórias é difícil. São muitas as variáveis participantes, são muitas as regiões cerebrais envolvidas, e a busca de algumas poucas sinapses responsáveis pela conservação de uma ou outra memória é parecida a procura de uma agulha num palheiro.

Mais difícil é, evidentemente, a busca de quais dessas sinapses mudam como conseqüência de um esquecimento, ou, como veremos a seguir, de uma extinção.

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