Neurocognição

A arte de esquecer: a habituação

A repetição de um estímulo ou grupo de estímulos inofensivos geralmente causa a diminuição gradual das respostas a esse estímulo. Assim, a primeira vez que ouvimos o som de uma campainha, ou que nos encontramos num determinado ambiente novo, giramos a cabeça em redor, para localizar a fonte do estímulo novo, ou para registrar que o espaço que nos rodeia é novo para nós. Esta reação natural a estímulo(s) novo(s) foi denominada por Pavlov reação de orientação ou reflexo de "onde está?".

Observa-se que em todas as espécies animais, e no rato, no gato ou no cachorro é acompanhada de intensa atividade olfativa. Os humanos somos mais propensos a investigar nosso entorno por meio da atividade visual ou tátil. Se a coleção de estímulos novos for muito intensa, pode se acompanhar de alguma reação defensiva também: nos funcionários dos aeroportos, por exemplo, a reação a partida de um avião a poucos metros de distância é seguida de movimentos tendentes a proteger seus ouvidos. A repetição do(s) estímulo(s) leva a diminuição da resposta de orientação; já aprendemos que aquele não é tão importante como pensávamos no início, e nos habituamos a ele. Acostumamos, por assim dizer. Um trabalhador veterano das pistas dos aeroportos já nem responde ao estrépito da partida dos aviões. No primeiro dia de aula, os alunos olham em volta para entender ou conhecer melhor a nova sala, os novos bancos, onde está a porta etc. Na segunda semana de aula, entram na sala sem prestar mais muita atenção ao ambiente; já se acostumaram a ele.

Pavlov costumava habituar seus cachorros a campainha, antes de associá-la com um pedaço de carne. Queria garantir que, no momento de iniciar o processo associativo do condicionamento, a campainha fosse realmente um estímulo neutro, incapaz de gerar respostas importantes por si próprio.

A habituação é nosso aprendizado mais simples e um dos mais importantes. Sem ele, viveríamos na surpresa constante, no sobressalto permanente. H. M. vive um pouco assim, já que esquece muitas das suas habituações. A habituação se deve a atividade do hipocampo e tem uma base bioquímica relativamente complexa, embora diferente daquela das memórias associativas.

É também uma arte, a habituação. Podemos aplicar ou não nossa vontade a ela, podemos desejar fazê-la ou não. Nem sempre a habituação é involuntária; pode ser muito seletiva. A criança que é levada diariamente a uma creche pode decidir se quer ou não quer se habituar a ela. O funcionário do aeroporto, por mais desagradável que tenha sido sua primeira experiência estrepitosa na pista, geralmente quer conservar seu emprego e procura intensamente se acostumar (habituar) a isso. Às vezes já meio surdo, reage daí em diante como se nada estivesse acontecendo em volta, mantêm animadas conversas com seus colegas em meio ao ruído dos aviões que ligam seus motores na sua frente.

Os casos mais ilustrativos da seletividade da evocação são as inúmeras histórias de mães que dormem, exaustas pela guerra, em meio a um bombardeio; mas acordam ao ouvir o leve choro de suas crianças. Isto demonstra que, intrinsecamente, o ser humano é mais sensível aos estímulos que Ihes tocam fundo do que àqueles sobre os quais não pode fazer nada e acabam se tornando indiferentes talvez por isso mesmo. As emoções determinam em grande parte o desenvolvimento da atenção seletiva e da memória seletiva.

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