Neurocognição

Dependência de estado

As memórias são adquiridas sob a influência de um determinado "tônus" cerebral dopaminérgico, noradrenérgico, serotonérgico ou betaendorfínico, e de um "tônus" hormonal paralelo. Esses moduladores e hormônios geralmente facilitam a formação de memórias agindo sobre mecanismos específicos nas áreas do cérebro que as fazem e, de certa maneira, incorporam informação às mesmas. Um momento assustador consiste tanto do estímulo que provoca o susto, como da ação dos neuromoduladores e hormônios liberados no organismo durante esse momento; muitas vezes a ação dessas substâncias fazem com que o momento seja realmente assustador.

As memórias são melhor evocadas quando o "tônus" neurohumoral e hormonal vigente no momento de sua aquisição se repete. Assim, em momentos de ansiedade elevada, em que se libera muita dopamina e noradrenalina cerebral, e muita adrenalina e corticóides na periferia, teremos não só tendência a gravar melhor o que está acontecendo nessa ocasião, como também facilidade para evocar outras experiências igualmente assustadoras ou aversivas. Isto é, sem dúvida útil para ter em mente, disponível para a utilização imediata, por meio de estratégias de ação apropriadas para a circunstância: devemos fugir, pular, nos esconder ou lutar?

O mesmo acontece com as memórias prazenteiras: quando uma situação determinada se apresenta, por exemplo os prelúdios do ato sexual ou de um bom almoço, haverá uma constelação de processos neurohumorais e hormonais semelhante àquelas que experimentamos em outros momentos da mesma índole, a nossa resposta se adequará melhor às circunstâncias. Assim, secretaremos hormônios sexuais na iminência do ato sexual, e hormônios gástricos e ácido clorídrico no estômago antes de um almoço. De nada nos serviria fazer o contrário; seria contraproducente. É obviamente bom executar as coisas que sabemos nas condições orgânicas mais favoráveis para isso.

Este fenômeno se denomina dependência de estado: a evocação das memórias de certo conteúdo emocional depende do estado hormonal e neuro-humoral em que a mesma esteja ocorrendo. Quanto mais esse estado se pareça com aquele em que memórias de índole similar foram adquiridas, melhor será a evocação.

Assim, muitas memórias ficam num estado que poderíamos chamar latente, só despertado por determinadas conjunções de fenômenos neuro-humorais e hormonais próprios de cada estado: as que causam medo, as que chamam ao sexo etc. Mas isto não quer dizer que o fato dessas memórias importantes ficarem latentes signifique que foram esquecidas, sequer temporariamente. Quer dizer que essas memórias dependentes de um determinado estado neuro-humoral e hormonal, para serem reativadas, requerem certos estímulos que compreendam pelo menos parte da reprodução do estado em que foram originalmente adquiridas. As memórias dependentes de um estado emocional determinado ficam, por assim dizer, "a espreita" de que uma certa constelação de fenômenos bioquímicos apareça novamente. Um estímulo apropriado pode trazê-las à tona com bastante rapidez. Um "surto" de acidez gástrica pode nos dar vontade de comer. Um "surto" de hormônios sexuais no sangue pode nos causar desejo sexual.

A dependência de estado permite que a vida possa se processar corriqueiramente com respostas adequadas a cada caso. Por exemplo, não viver num estado de excitação sexual impróprio para as circunstâncias: uma ereção do violinista durante a execução de um quarteto de Beethoven, no palco de um teatro lotado. Ou viver num estado de agressividade fora de contexto: no mesmo concerto, minutos depois, uma vez acalmado o público, o da viola chuta o violoncelista só porque este errou uma nota qualquer. É bom se excitar sexualmente quando for conveniente, e pode ser até necessário algum grau de agressividade no momento certo. Mas é antiadaptativo é contraproducente fazê-lo fora de contexto.

Na imprecisão aparente que faz com que as diferenças emocionais entre um momento e outro de nossa vida sejam tão sutis como são, os estados psicológicos, hormonais e neuro-humorais determinam, com notável precisão, qual é a reação apropriada em cada caso.

Nosso corpo em geral, e nosso cérebro em particular, sabem mais do que nós; ainda bem, senão seríamos inadaptáveis à realidade, e viveríamos pouco e mal.

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