Neurocognição

Introdução

A cicatrização de um corte na pele ocorre em questão de dias. Uma fratura na perna pode ser resolvida sem maiores problemas se o osso estiver posicionado corretamente. Praticamente todo tecido humano é capaz de se auto-recompor até certo ponto, graças, em grande parte, as versáteis células-tronco, cuja capacidade de se multiplicar e de gerar diversos outros tipos de células, assimila-se àquela de um embrião em desenvolvimento. Um exemplo espetacular são as versões encontradas na medula óssea, capazes de produzir células encontradas no sangue: hemácias, plaquetas e uma variedade de células brancas. Outras células-tronco são responsáveis pela produção dos diversos componentes da pele, do fígado e do revestimento intestinal.

O cérebro adulto consegue, ocasionalmente, contrabalancear perdas bastante bem, ao fazer novas conexões entre neurônios sobreviventes. Porém, não é capaz de restaurar a si próprio, já que não possui as células-tronco necessárias. Ou, ao menos, era nisso que se acreditava recentemente. Em novembro de 1998, Peter S. Eriksson, do Hospital Universitário Sahlgrenska, em Gotemburgo, na Suécia, Gage, membro de nossa equipe do Salk Institute for Biological Studies, em San Diego, e diversos outros colegas, publicaram a surpreendente notícia de que o cérebro humano maduro continua a gerar neurônios regularmente em pelo menos um local, o hipocampo, área importante para a memória e a aprendizagem (a memória não fica armazenada no hipocampo, porém ele ajuda a formá-la após receber contribuições de outras partes do cérebro).

O número de células novas é baixo em relação ao total do cérebro, mas nossa descoberta traz à tona perspectivas fascinantes para a medicina. Dados atuais sugerem que as células-tronco produzem novos neurônios em uma outra parte do cérebro humano, além de serem encontradas, ainda que dormentes, em locais adicionais. Assim, é possível que nosso cérebro, com capacidade de reparo tão precária, na realidade possua enorme potencial para a regeneração neuronal. Caso se descubra como induzir células-tronco a produzir um volume útil de neurônios funcionais em regiões específicas, diversos distúrbios que envolvem lesões de neurônios e a morte, como as doenças de Alzheimer e Parkinson, além das incapacidades decorrentes de acidentes vasculares cerebrais e traumatismo craniano, possivelmente poderão ser tratados.

Há anos estudos com outros mamíferos adultos indicavam que o cérebro humano totalmente desenvolvido seria capaz de produzir neurônios. Em 1965, Joseph Altman e Gopal D. Das, do MIT, descreveram a produção de neurônios (neurogênese) no hipocampo de ratos adultos exatamente na mesma região, conhecida como giro denteado, onde este fenômeno foi recentemente descoberto no homem.

Apesar de estudos posteriores confirmarem o relato, a descoberta não foi vista como prova da existência de neurogênese significativa em mamíferos adultos, nem mesmo como indício do potencial regenerativo do cérebro humano. Os métodos disponíveis na época não eram capazes de estimar com precisão o número de neurônios produzidos ou provar que as novas células eram neurônios. Além disso, o conceito de células-tronco cerebrais ainda não havia sido introduzido. Acreditava-se que a criação de novos neurônios dependesse da reprodução de versões já maduras algo extremamente difícil. A relevância das descobertas também foi subestimada, em parte, porque até então não havia sido apresentada prova da neurogênese em macacos ou símios, primatas, e, portanto, genética e fisiologicamente mais próximos do homem que outros mamíferos.

A situação permaneceu assim até meados da década de 80, quando Fernando Nottebohm, da Rockefeller University, criou polêmica ao revelar resultados obtidos com canários adultos. Ele descobriu que a neurogênese ocorre nos centros cerebrais que regem a aprendizagem da música e, ainda, que o processo é acelerado durante épocas em que os pássaros adultos assimilam a música. Nottebohm e colegas também mostraram que a formação de neurônios no hipocampo de Chapins norte-americanos aumenta quando crescem as exigências sobre o sistema de memória deles, principalmente quando precisam se lembrar dos locais de armazenamento de alimentos. Os impressionantes resultados de Nottebohm levaram a um ressurgimento do interesse pela neurogênese em mamíferos e pelo potencial regenerativo do cérebro humano adulto.

Mas o otimismo não durou muito. Pasko Rakic e colegas da Yale University foram pioneiros em estudar a neurogênese em primatas adultos e o trabalho, muito bem feito para sua época, não encontrou novos neurônios no cérebro de macacos Rhesus. A lógica também ia contra a hipótese. Os biólogos sabiam que, com a evolução e a complexidade cada vez maior do cérebro, a neurogênese havia se tornado cada vez mais restrita. Embora lagartos e outros animais inferiores desfrutem de uma regeneração neuronal grande quando seu cérebro é lesado, em mamíferos essa reação saudável estaria ausente. Parecia razoável supor que a adição de novos neurônios e complexidade de conexões do cérebro humano ameaçaria o fluxo organizado de sinais.

Indícios de que esse raciocínio poderia ser falho só surgiram há alguns anos. Em 1997, equipe comandada por Elizabeth Gould e Bruce S. McEwen, do Rockefeller, a Eberhard Fuchs, do Deutsches Primatenzentrum, em Gottingen, Alemanha, revelaram a existência de neurogênese no hipocampo do musaranho, animal próximo do primata. Em 1998, detectaram o mesmo fenômeno no sagüi. Apesar de mais distantes do homem, em termos de evolução, que os macacos Rhesus, os sagüis não deixam de ser primatas.