Apresentar e caracterizar os seguintes gêneros educacionais: ementa, programa de curso, prova escrita, apostila, manual e material para EAD, como recursos básicos da atividade docente.
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
“A educação é um processo social, é desenvolvimento.
Não é a preparação para a vida, é a própria vida”.
John Dewey
Um professor, além de dominar bem os conteúdos que pretende ensinar ou avaliar, precisa saber como fazê-lo. Das técnicas de planejamento da aula, à organização da exposição e à impostação de voz, há uma série de habilidades que precisamos desenvolver para desempenhar com qualidade o ofício docente, permitindo aos alunos experiências de aprendizagem significativas.
Este curso, como um todo, vem desenvolvendo suas competências de leitura e escrita, fundamentais para um bom professor. Afinal, todo profissional dessa área precisa saber como adquirir e externar o conhecimento, além de incentivar seus alunos a fazerem o mesmo. Para tanto, ler e escrever bem é muito importante.
Nesse contexto, alguns gêneros textuais da escrita se destacam nos ambientes escolar e universitário como sendo produzidos essencialmente pelo professor, como a ementa, o programa de curso, a prova escrita, a apostila, o manual e o material para EAD. Embora os objetivos que regem cada um desses gêneros – e, consequentemente, suas macro e microestruturas – sejam bem diferentes, pode-se dizer que todos eles visam a organizar, expor ou avaliar o conhecimento, sendo aplicados em diferentes contextos, que analisaremos detalhadamente nas próximas seções.
A seleção de gêneros aqui apresentados se deve a boa parte do público a que este curso se destina estar inserido em uma trajetória de formação ou atualização de professores. No entanto, mesmo que você não esteja sendo chamado, mais imediatamente, a produzir textos dessa natureza, saber como eles se estruturam e se diferenciam permite-lhe um olhar mais crítico sobre essa produção, além de abrir possibilidades valiosas de atuação profissional.
Para começar a apresentação dos gêneros textuais mais frequentemente produzidos na atividade docente, nada mais justo do que discutirmos a elaboração da ementa de uma disciplina e de um plano de curso, que são preparados antes mesmo de as aulas começarem. A redação desses textos é fundamental no planejamento e na organização do curso, pois permitem avaliar que tópicos devem ser cobertos naquela disciplina e em quanto tempo, bem como outros detalhes.
A ementa é um gênero importante na avaliação de perfis de cursos, programas e instituições, tratando-se de constituinte obrigatório dos projetos pedagógicos das instituições de ensino e pesquisa. Seu objetivo básico é discriminar os pontos principais que serão cobertos ao longo de cada disciplina, auxiliando o professor na seleção das atividades e do material que trabalhará com os alunos.
A propósito, uma sugestão interessante é apresentar a ementa aos discentes logo no início das aulas, disponibilizando, se possível, uma cópia física desse texto para eles. Assim, o professor discute com a turma sua proposta de trabalho para aquele curso e, caso seja necessário e julgue apropriado, pode adequá-la aos anseios e interesses dos alunos.
Em princípio, toda entidade educacional deve convidar seus docentes a produzirem ementas do que vão desenvolver em sala. Porém, enquanto algumas instituições as elaboram de forma coletiva, em reuniões específicas para esse fim, outras solicitam que o professor redija as próprias ementas dos cursos que vai oferecer, renovando-as periodicamente, de forma a manter o curso sempre atualizado.
Quando um aluno de graduação, extensão ou pós-graduação tem de escolher uma disciplina optativa para cursar, entre várias opções, geralmente recorre à ementa de cada uma delas para saber que conteúdos serão trabalhados nos cursos. Nesses casos, é importante disponibilizar as ementas ainda antes do período de inscrição em disciplinas, de modo a permitir que o aluno avalie cautelosamente que curso é mais relevante para seus interesses.
Vamos, então, ver uma ementa produzida pela professora Cristiane Brasileiro, para a disciplina Crítica Literária, oferecida em um curso de pós-graduação stricto sensu em Jornalismo Cultural.
Breve panorama histórico da crítica literária no Brasil: dos "rodapés" aos desafios contemporâneos. Correntes de crítica literária em perspectiva: das letras na página às palavras no mundo. Suplementos literários em atividade: a diversidade de linhas editoriais. Modalidades de resenha: resumo, crítica e ensaio. Desafios práticos com acompanhamento crítico.
Note que a forma de organização de uma ementa é bem particular, geralmente caracterizada por uma sequência de frases nominais (sem verbo), não ligadas por nenhum conectivo explícito e separadas por pontos finais. Também não se costuma apresentar os itens um embaixo do outro, mas sim justapostos.
Como a organização textual desse gênero é bem simples, é preciso atentar para alguns recursos que facilitam a exposição das ideias, como a disposição dos conteúdos na ordem em que serão trabalhados em sala. Além disso, como às vezes uma simples frase nominal pode ter sua significação excessivamente ampla, um bom recurso de delimitação de um tópico é usar um sinal de dois-pontos e logo depois apresentar o recorte do que se vai trabalhar naquele item.
Embora a ementa seja um gênero muito importante na atividade docente, não costuma ser o bastante apenas discriminar os tópicos cobertos em uma disciplina. Além de saber quais conteúdos vai trabalhar, um professor precisa discriminar, no programa de curso, os subtópicos principais de cada item, hierarquizando-os e agrupando-os em unidades lógicas. Isso permite uma visão mais clara de quantas aulas serão necessárias para cada item do programa, o que é pormenorizado, depois, no diário da disciplina, com as datas em que cada um dos encontros acontece e os respectivos conteúdos ministrados.
Ademais, o programa de curso apresenta a bibliografia básica usada naquela disciplina. Porém, isso não deve servir como uma "camisa de força" para o professor, impedindo-o de sugerir títulos extras que atendam a demandas inesperadas surgidas durante o curso. A função da bibliografia definida a priori é dar uma orientação geral à condução do curso, permitindo ao aluno, inclusive, uma visão panorâmica do repertório a ser trabalhado na disciplina. Com essas informações de antemão, alunos e professor podem se organizar para adquirir livros ou artigos de que não disponham ainda em seus acervos particulares, o que agiliza todo o processo.
Veja a seguir o programa de curso da mesma disciplina, cuja ementa analisamos há pouco.
DISCIPLINA: CRÍTICA LITERÁRIA
CURSO: PÓS-GRADUAÇÃO EM JORNALISTMO CULTURAL
PROFª: CRISTIANE BRASILEIRO
Breve panorama histórico da crítica literária no Brasil: dos "rodapés" aos desafios contemporâneos. Correntes de crítica literária em perspectiva: das letras na página às palavras no mundo. Suplementos literários em atividade: a diversidade de linhas editoriais. Modalidades de resenha: resumo, crítica e ensaio. Desafios práticos com acompanhamento crítico.
I- Panorama histórico da crítica literária no Brasil
I.1- Emergência da crítica e cacoetes estilísticos
I.2- Crítica de rodapé e a prática das polêmicas
I.3- Desafios da crítica contemporânea
II- Correntes de crítica literária na cena atual
II.1- A tradição da crítica impressionista
II.2- Heranças do Formalismo Russo e do New Criticism
II.3- Tensões entre estruturalistas e pós-estruturalistas
II.4- Estudos culturais e abordagens sistêmicas
III- Suplementos Literários: estudos de caso
III.1- "Idéias & Livros" do Jornal do Brasil
III.2- "Prosa & Verso" de O Globo
III.3- "Mais!" da Folha de São Paulo
IV- Modalidades de resenha
IV.1- Resenha-resumo: a demanda por agilidade e objetividade
IV.2- Resenha crítica: articulação e avaliação
IV.3- Resenha-ensaio: o alargamento do objeto
V- Prática & Desafios
V.1- Orientações genéricas para elaboração
V.2- A busca do estilo individual
V.3- Acompanhamento comentado da produção discente
BARBIERI, Therezinha. Ficção impura: prosa brasileira dos anos 70, 80 e 90. Rio de Janeiro: Eduerj, 2003.
BRASIL, Assis. Teoria e prática da crítica literária. Rio de janeiro: Topbooks, 2005.
CARNEIRO, Flávio. No país do presente: ficção brasileira no início do século 21. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
DE CASTRO, Gustavo et al. Jornalismo e literatura: a sedução da palavra. São Paulo: Escrituras, 2002.
HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Impressões de Viagem: CPC, vanguarda e desbunde:1960/70. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004.
LIMA, Rachel Esteves. A crítica literária na universidade brasileira. Belo Horizonte, 1997.
NINA, Cláudia. Literatura nos jornais: a crítica literária dos rodapés às resenhas. São Paulo: Summus Editorial, 2007.
OLINTO, Heidrun; SCHOLLHÄMMER, Karl Erik. Literatura e mídia. Rio de janeiro: PUC/Loyola, 2002.
OLIVERIA, Nelson de. Verdades provisórias: anseios crípticos. São Paulo: Escrituras, 2003.
PIGLA, Ricardo. O último leitor. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
TRAVANCAS, Isabel. O livro no jornal. São Paulo: Ateliê, 2001.
Esses gêneros textuais desempenham também um papel relevante na organização curricular, a ponto de as transferências de alunos entre instituições só poderem ser feitas após comparação entre os planos de curso das disciplinas oferecidas no novo estabelecimento de ensino e os tópicos listados nos planos das disciplinas cursadas na instituição de origem. Dependendo do grau de diferença entre os conteúdos abordados e as bibliografias propostas nesses planos, os alunos são obrigados a cursar novamente determinadas disciplinas.
Observe que o gênero plano de curso contém em si uma ementa, que norteia a organização do restante do documento. Na seção conteúdo programático, os itens arrolados na ementa devem ser mais detalhados, em subtópicos hierarquizados. Para apresentá-los, você pode recorrer a uma estrutura mais esquemática e sintética, como em uma lista. Note ainda a importância de discriminar com clareza o que é um tópico e o que é um subtópico, usando recursos de formatação ou índices alfanuméricos (que empregam letras e algarismos).
Por fim, veja que um plano de curso apresenta bibliografia, e não referências bibliográficas. Isso quer dizer que os livros e artigos apresentados nessa seção não foram citados ao longo do texto, como ocorre em relatórios, monografias etc., em que se usa o termo referências bibliográficas. De qualquer forma, não se esqueça de empregar as regras que você viu na aula 8 e na NBR 6023 da ABNT, para redigir essa seção do programa de curso.
Provavelmente, você acabou de ter seu primeiro contato com estes gêneros textuais predominantemente produzidos por professores, em suas atividades profissionais: a ementa e o plano de curso. A partir deles gêneros, as aulas são organizadas e ministradas, sendo depois registrado no diário de classe tudo o que foi feito.
Nesta atividade, no entanto, faremos as coisas na ordem inversa: mostraremos a você o diário de uma disciplina semestral, completado pelo professor ao final de suas aulas. Com base nesses registros, queremos que você elabore a ementa e o plano de curso que nortearam o trabalho desse docente ao longo do semestre. Caso julgue necessário, volte à ementa e ao plano de curso apresentados anteriormente nesta aula, adotando-os como modelos a serem seguidos.
Quanto à bibliografia a sugerir no plano do curso, dê uma olhada na Internet ou em livros de Língua Portuguesa, aproveitando para se inteirar dos títulos clássicos e dos mais modernos no que diz respeito aos tópicos contemplados na disciplina com cujo diário de classe você está trabalhando.
Data |
Conteúdo ministrado |
01.03.2010 |
Apresentação do curso, do programa e do professor |
08.03.2010 |
Tipologia textual: Narração e descrição |
15.03.2010 |
Tipologia textual: Exposição e argumentação |
22.03.2010 |
Coesão textual: coesão referencial |
29.03.2010 |
Coesão textual: coesão sequencial |
05.04.2010 |
Atividade de leitura e produção de texto |
12.04.2010 |
Coerência textual: regra da repetição e da progressão |
19.04.2010 |
Coerência textual: regra da não contradição e da relação |
26.04.2010 |
Estrutura do parágrafo |
03.05.2010 |
Atividade de leitura e produção de texto |
10.05.2010 |
Resumo e resenha |
17.05.2010 |
Questões da norma culta: pontuação |
24.05.2010 |
O percurso da pesquisa: o projeto |
31.05.2010 |
Questões da norma culta: concordância |
07.06.2010 |
Atividade de leitura e produção de texto |
14.06.2010 |
O percurso da pesquisa: o relatório |
21.06.2010 |
Questões da norma culta: crase |
28.06.2010 |
O percurso da pesquisa: o artigo científico |
05.07.2010 |
Atividade de leitura e produção de texto |
12.07.2010 |
Entrega e discussão dos resultados |
Ao longo de um curso ou de uma disciplina, é comum que se realizem algumas avaliações presenciais por escrito, que visam a mensurar a evolução do aluno e a própria eficácia dos métodos e técnicas usados no processo de ensino-aprendizagem. A partir do resultado das provas, um professor tem como saber que conteúdos foram mais bem assimilados pelos alunos e que estratégias de ensino foram mais bem sucedidas. Assim, caso o docente julgue necessário, pode inclusive repensar a forma de conduzir suas próximas aulas, de modo que seu trabalho também é avaliado pelas provas feitas pelos alunos. Ademais, a prova escrita é um gênero de grande importância na avaliação do desempenho de candidatos a concursos de natureza acadêmica e profissional, garantindo lisura no processo seletivo e destinando as vagas aos aspirantes mais bem preparados.
Lembre-se, no entanto, de que uma prova não é a única forma de avaliar um aluno, podendo ser acompanhada de autoavaliações, avaliações formativas, seminários, trabalhos em grupo ou pequenos projetos individuais. Assim, embora nesta aula tenhamos optado por dedicar uma seção ao gênero textual prova escrita, por ser ele o mais empregado na maioria das instituições de ensino, você deve sempre considerar, segundo seus objetivos, que tipo de avaliação é mais adequada para cada situação.
Em linhas gerais, há dois tipos de questão, que podem ser mesclados ou não em uma mesma prova: questões discursivas e de múltipla escolha. Nas próximas duas subseções, analisaremos cada uma delas detidamente.
Em uma questão discursiva, exige-se que o aluno escreva, com suas próprias palavras, um determinado conjunto de informações ou posicionamentos demandados no enunciado. Assim, além do conhecimento do conteúdo específico, o professor pode avaliar o domínio de recursos e estratégias de coesão entre as partes do texto, coerência na apresentação e exposição das ideias, atenção para o foco da questão proposta, adequação lexical e gramatical e, por fim, domínio das regras da ortografia.
Vejamos, a seguir, alguns modelos de questões discursivas, retiradas do vestibular CEDERJ 2009.2.
A história da viagem do naturalista inglês Charles Darwin é quase tão conhecida e reverenciada quanto a de Cristóvão Colombo. Darwin iniciou em 1831 uma viagem pelo mundo a bordo do Beagle, um pequeno navio de exploração científica. Quando voltou à Inglaterra, cinco anos depois, ele trazia na bagagem um conjunto de ideias revolucionárias que mudariam para sempre a geografia da alma humana tanto quanto Colombo mudou a geografia terrestre. Darwin, como se sabe, é o autor da Teoria da Evolução.
Tamanha foi a força das revelações de Darwin sobre a origem e a transformação do mundo animal, das plantas e, em especial, da humanidade, que quase ninguém consegue ter uma visão muito clara hoje em dia de como se pensavam essas coisas antes dele. Poucas revoluções tiveram esse poder, e a evolução lenta das espécies ao longo das eras, formando linhagens que desembocam nos atuais seres vivos, é uma delas.
Quando lançou A Origem das Espécies, em 1859, o primeiro de seus livros que explicam a teoria da evolução, cientistas e intelectuais de todos os matizes foram obrigados a se posicionar diante dos argumentos do naturalista. Apesar do rigor científico das pesquisas que conduzira, suas conclusões ofendiam a todos. Conceitos arraigados havia séculos na biologia, como o de que as espécies não mudam ao longo do tempo, caíram por terra diante dos argumentos de Darwin. A criação do mundo como descrita na Bíblia foi desmontada. Entre todas as suas propostas, a mais difícil de engolir por seus contemporâneos foi a de que o homem não é um animal superior a todos os outros e tem ancestrais em comum com os macacos. (...) Os ataques às ideias de Darwin prosseguiram por todo o século XX.
Depois de quase 150 anos da publicação de A Origem das Espécies, a vitória das ideias de Darwin é inequívoca. Entre os grandes nomes que revolucionaram a maneira de pensar, como Karl Marx e Sigmund Freud, Darwin é o único cujas ideias ainda servem de base sólida para avanços extraordinários do conhecimento. Até a teoria geral da relatividade, de Albert Einstein, tem de travar uma queda-de- braço constante com seus adversários, os teóricos da física quântica. Darwin só tem inimigos fora da ciência.
O desenvolvimento da genética, a partir do início do século XX, ajudou a explicar como funciona a transmissão
das características hereditárias. O que Darwin tem a ver com isso? Muita coisa. A possibilidade de transmissão de características genéticas de uma geração à seguinte foi intuída por Darwin, mas ele não viveu o suficiente para ver esse mecanismo ser demonstrado. "Foi necessário um século de descobertas para que a teoria da evolução de Darwin se comprovasse plenamente, em todos os seus aspectos", disse o biólogo David Mindell, da Universidade de Michigan.
As ideias de Darwin, aperfeiçoadas por seus discípulos ao longo de 150 anos, são hoje um consenso entre os biólogos.
(In: www.passeiweb.com/saiba_mais/1_darwin_teoria_evolução)
QUESTÃO 1
Nos dois primeiros parágrafos do texto, compara-se um feito comum a Darwin e a Cristóvão Colombo.
Observe que essa é uma questão discursiva em que não se exige do aluno um conhecimento a priori do assunto, mas a capacidade de interpretar um texto e encontrar ou inferir a partir dele determinadas informações. Muitos professores pensam que questões desse tipo só devem ser usadas em provas de Língua Portuguesa, mas elas constituem uma proposta interessante a ser usada em avaliações de todas as disciplinas, uma vez que exigem o refinamento das habilidades de leitura, essenciais às demais áreas do saber, e permitem que o aluno aprenda um pouco mais sobre a matéria enquanto faz a prova. A avaliação, sob esse prisma, é entendia não apenas como testagem, mas como aprendizagem.
Ainda quando a questão é formulada a partir de um texto, há a possibilidade de perguntar a opinião do aluno diante de determinado aspecto contemplado pelo discurso do autor. Nesse caso, porém, a correção da resposta do aluno não deve se pautar na dicotomia do certo ou errado, mas sim buscar a consistência e a coerência de sua argumentação.
Por outro lado, há modelos de questão que se concentram mais em aferir o conhecimento discente a respeito de determinado tópico da matéria estudada ao longo do curso, bem como sua capacidade de dissertar sobre esse tema, como vemos a seguir:
Animais que se alimentam de folhas ou de madeira precisam digerir a celulose que reveste as células vegetais. No entanto, animais não produzem celulase (enzima que digere a celulose). A celulase é produzida por microorganismos que vivem no interior do tubo digestivo desses animais. Como forma de prevenir o ataque de cupins, é comum tratar a madeira que vai ser usada na fabricação de móveis com remédios que matam bactérias e protozoários.
Explique esse procedimento.
Note a importância de disponibilizar um texto motivador, antes do comando da questão propriamente dito. Esse texto tem a função de acionar o conhecimento prévio do aluno, estimulando-o não a memorizar apenas os conceitos, mas a relacioná-los com outros conhecimentos de que disponha. Isso torna a avaliação mais reflexiva e permite que o aluno aprenda a traçar relações entre os diferentes campos do saber.
No que diz respeito à relação entre os diferentes campos do saber, fala-se muito hoje em interdisciplinaridade, ou transdisciplinaridade. Embora haja algumas diferenças entre esses conceitos, ambos apontam para a necessidade de adotar práticas pedagógicas em que o conhecimento seja tratado como algo integral, não fracionado em disciplinas como Física, Matemática, Literatura etc. Afinal, no dia a dia fora da sala de aula, os problemas, os objetos e as pessoas não podem ser agrupados em categorias tão estanques como as disciplinas escolares.
Os diferentes fenômenos que nos rodeiam podem ser encarados por várias formas, a que chamamos de áreas do conhecimento, mas é importante não perder de vista que essas visões se complementam, e que um objeto não é de estudo exclusivo de determinada área. Uma das metas da educação hoje em dia é promover um ensino cada vez mais interdisciplinar.
Há também questões discursivas que pedem respostas bem diretas: uma data, um nome, um lugar etc. Geralmente, são encabeçadas por palavras interrogativas como quem, quando, qual, por que, como e onde, não tendo por objetivo a reflexão mais aprofundada em torno de um fenômeno, mas o rápido reconhecimento de um aspecto bem pontual do assunto. Veja um exemplo:
Os meios de comunicação têm apresentado uma propaganda que, referindo-se ao meio ambiente, exibe a seguinte frase: "Onde muita gente vê uma lata de lixo, a gente enxerga um novo produto".
Observe que os verbos de comando empregados na questão definem o tipo de resposta que se espera do aluno, sem exigência de maiores reflexões do que a recuperação de algumas informações específicas vistas em aula.
Esse modelo de questão contraria a confusão que muitas pessoas fazem entre questões discursivas, de múltipla escolha, subjetivas ou objetivas. Os dois primeiros tipos diferem quanto à forma de cobrar a resposta do aluno: se ele deve escrevê-la com suas próprias palavras ou escolher entre algumas alternativas a mais correta. Ambos os modelos podem ser aplicados de forma subjetiva ou objetiva, exigindo, respectivamente, que o aluno reflita acerca de determinado tema ou apenas reconheça aspectos pontuais e bem particulares, como um nome, uma classificação ou uma característica de determinado fenômeno.
De qualquer maneira, é especialmente importante, em uma prova discursiva, formular enunciados que restrinjam as variações de respostas a um limite que permita a correção a partir de determinados critérios objetivos. Do contrário, a avaliação não seria transparente nem equânime, e os alunos não poderiam, depois da prova, aprender com seus eventuais erros.
Questões de múltipla escolha apresentam variados formatos, mas todas consistem em uma apresentação de alternativas a serem avaliadas e ponderadas pelos alunos, antes de estes optarem por aquela que lhes pareça correta ou incorreta, a depender do enunciado da questão.
Embora esse modelo seja muito criticado, apresenta algumas vantagens que não devem ser negligenciadas. Como podem ser corrigidas rapidamente, questões desse tipo são mais empregadas em provas aplicadas em larga escala, como exames vestibulares e concursos públicos em geral. Ademais, já que não permite variação nas respostas ou eventuais interferências da subjetividade do corretor, esse modelo é amplamente usado em concursos, a fim de garantir imparcialidade ao processo seletivo.
Por outro lado, ao longo de um curso ou disciplina, esse tipo de avaliação tem sua eficácia reduzida, uma vez que possibilita ao professor uma apreciação muito precária do aprendizado dos alunos. Afinal, estes podem simplesmente escolher qualquer resposta, caso não saibam a correta, e não precisam escrevê-la com suas próprias palavras, o que não desenvolve a competência comunicativa escrita.
Cientes desses pontos positivos e negativos, analisemos alguns modelos de questões de múltipla escolha, retiradas do vestibular CEDERJ 2009.2.
Para combater o mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, a Prefeitura de Paracambi resolveu usar a criatividade. Nenhum inseticida ou qualquer outra arma química está sendo usado para acabar com os mosquitos. Técnicos do Centro de Controle de Zoonoses do município passaram a usar uma arma natural e ecologicamente correta: o peixe barrigudinho. Eles decidiram aproveitar um predador natural para tentar solucionar o problema. Transferiram alguns peixes para lagos e até valões, há dois meses, e os resultados têm sido muito bons.
(Adaptado do Jornal O Globo, 08 de março de 2005)
O peixe em questão, sendo um predador natural das larvas do mosquito, atua como controle biológico uma vez que:
(A) evita a proliferação do vírus da dengue na água;
(B) evita a proliferação de novos mosquitos fêmeas transmissores;
(C) evita a proliferação de novos mosquitos machos transmissores;
(D) contrai a doença ao comer as larvas, impedindo a disseminação da doença;
(E) compete com outros peixes que poderiam facilitar a disseminação da doença.
Neste modelo, podemos identificar uma questão de múltipla escolha que convida o aluno à reflexão, de forma a utilizar os conhecimentos adquiridos ao longo de uma disciplina para avaliar uma situação apresentada no texto motivador. Ressalte-se, pois, a importância desse breve texto introdutório para contextualizar a pergunta e fazer o aluno pensar criticamente, associando o que aprende na escola ao mundo em que vive.
No exemplo a seguir, no entanto, o objetivo do professor é outro, como podemos perceber na própria estrutura do enunciado.
Muitos animais como, por exemplo, o anu-preto (Crotophaga ani) e o gado bovino, em algumas partes do Brasil não vivem isolados e mantêm relações permanentes entre si. Ao se alimentar dos carrapatos que infestam o gado bovino, o anu-preto estabelece com esse último uma relação específica à qual denominamos:
(A) competição;
(B) predatismo;
(C) mutualismo;
(D) parasitismo;
(E) comensalismo.
Trata-se de uma questão bastante objetiva, que visa a verificar se o aluno tem domínio de aspectos particulares do conteúdo, como um nome, uma categoria ou um conceito. Às vezes, esse modelo de atividade pode ser usado em sala de aula como introdução para determinado conteúdo a partir de um texto, particularmente complexo, a fim de ativar certas informações específicas que serão necessárias ao fenômeno que se pretende explicar naquela aula.
Veja ainda que há outras possibilidades de estruturação de questões de múltipla escolha, como relacione as colunas, assinale verdadeiro ou falso e julgue as alternativas a seguir, como vemos no próximo exemplo. Nesse caso, as afirmações são numeradas e o aluno tem de escolher um grupo delas como (in)correto.
A vida surgiu na Terra há cerca de 3,5 x 109 anos. Nessa época praticamente não existia oxigênio na atmosfera. Como o ozônio [ O3 ] é formado quando o oxigênio [O2] é irradiado por raios ultravioleta provenientes do Sol, podemos concluir que a camada de ozônio não existia naquela época. O ozônio absorve a radiação de onda curta, como a radiação ultravioleta. A presença da camada de ozônio impede que a radiação ultravioleta atinja a superfície da Terra. A radiação ultravioleta causa grandes alterações das moléculas dos ácidos nucleicos.
Em relação ao tema, avalie as afirmativas a seguir:
I- O oxigênio presente na atmosfera atualmente é, em grande parte, o oxigênio produzido pelo processo de fotossíntese desde o aparecimento de seres clorofilados.
II- Quando os primeiros organismos vivos surgiram na Terra, não havia oxigênio na atmosfera, logo os primeiros seres vivos eram anaeróbicos.
III- A água tem a capacidade de absorver grande parte da radiação ultravioleta, logo podemos concluir que os primeiros seres vivos não poderiam estar na superfície da Terra, mas sim dentro da água, pois a radiação ultravioleta provocaria mutações nocivas.
IV- O ozônio é o principal gás do efeito estufa. A sua eliminação provocará o resfriamento da Terra.
Estão corretas as afirmativas:
(A) I e II, apenas;
(B) III e IV apenas;
(C) I, II e III apenas;
(D) II, III e IV, apenas;
(E) I, II, III e IV.
Caso o professor deseje elaborar uma prova contendo questões de múltipla escolha, é interessante misturar diferentes modelos, tornando a avaliação mais dinâmica. Outra boa sugestão é incentivar os alunos a produzirem suas próprias questões (discursivas ou de múltipla escolha), pois isso os estimularia a pesquisar os conteúdos da disciplina e a formular questionamentos acerca dos mesmos.
Chegou o momento de pôr a mão na massa! Você agora vai elaborar suas próprias questões (uma discursiva e uma de múltipla escolha) e comentar as respostas esperadas para cada uma delas. Afinal, é importante, na hora de preparar uma avaliação, ter bem claros os critérios e parâmetros de correção, de modo a garantir que o processo seja justo e transparente.
Para limitar as variações de respostas e permitir que todos os alunos trabalhem em torno de um mesmo núcleo de conteúdo, apresentamos a seguir um texto a partir do qual suas duas questões devem ser elaboradas. Tente relacioná-lo com a disciplina em que você atua ou que você estuda e pense em questões que incentivem a reflexão.
A segunda parte de uma avaliação monumental sobre a mudança climática no mundo foi concluída hoje, com dados sombrios para as populações mais pobres e vulneráveis da Terra. Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, órgão da ONU), as transformações geradas pelo aquecimento global já afetam de forma visível e significativa as águas, as geleiras, as plantas e os animais, podendo colocar em risco a sobrevivência de bilhões de pessoas, em especial nos países em desenvolvimento.
"Nós não estamos mais brincando com modelos [de computador]. Isso aqui é informação empírica", enfatizou o co-presidente do grupo de trabalho 2 do IPCC, o britânico Martin Parry, durante entrevista coletiva realizada em Bruxelas e transmitida ao vivo pela internet. Parry apresentou os principais resultados de seu grupo, responsável pela seção "Impactos, Adaptação e Vulnerabilidades", junto com seu colega argentino Osvaldo Canziani e com o presidente do IPCC, o indiano Rajendra Pachauri. "São justamente as pessoas menos capazes de se adaptar à mudança climática que vão sofrer mais", resumiu Pachauri.
O relatório, o segundo do IPCC a ser divulgado neste ano, é o resultado do trabalho conjunto de centenas de cientistas mundo afora, e foi aprovado por delegados de todos os países da ONU após uma rodada de negociações que se estendeu por toda a madrugada de ontem para hoje (dia 5 para o 6).
(...)
Os pesquisadores, apesar da gravidade das predições, dizem que o relatório não é alarmista. "O IPCC, na verdade, tende mais a aliviar suas conclusões do que a exagerá-las", afirmou Parry, lembrando que se trata de um trabalho de consenso (inclusive político), cujo conteúdo foi objeto de negociações exaustivas. "Muitas vezes o público e a imprensa estão muito à frente de nós em ligar eventos específicos ao problema da mudança climática. Estamos muito longe de querer ditar políticas, esse não é o nosso papel."
Para Rajendra Pachauri, no entanto, o trabalho ressalta a "responsabilidade global" diante do fenômeno, "e é isso que vai determinar como os seres humanos e as sociedades vão reagir". Para Osvaldo Canziani, a principal mensagem é que o atual estilo de vida dos países ricos, bem como a desigualdade global, não são sustentáveis no longo prazo.
A apostila é um gênero relativamente recente, associado ao caráter rápido e pragmático de determinadas práticas pedagógicas, como a preparação para concursos e exames vestibulares e a instrução acerca da realização de atividades mais mecânicas, como o reparo de uma tomada, o acondicionamento de alimentos ou os cuidados com o próprio cabelo.
Visto que quem utiliza apostilas geralmente precisa adquirir um determinado conhecimento em pouco tempo, esses textos são bastante condensados e relativamente breves, contendo apenas as informações básicas sobre determinado tópico e muitas dicas e macetes, a fim de proporcionar uma leitura rápida e uma abordagem panorâmica sobre o tema. Na verdade, esse é o maior atrativo de tal gênero textual, empregado como material didático, mas também sua maior fragilidade, uma vez que nelas não há espaço para a problematização ou relativização de conceitos, frequentemente apresentados como fórmulas seguras e incontestáveis.
Por vezes excessivamente simplificada, a estrutura das apostilas contempla explicações sucintas sobre determinado assunto, geralmente apresentadas em frases breves e apresentadas em tópicos. Para facilitar a visualização e a memorização dos conteúdos, é muito comum também o uso de gráficos, tabelas e imagens.
Veja a seguir um trecho extraído de uma apostila de Biologia Celular, utilizada em um curso de massoterapia. Atente para a maneira como as informações são apresentadas.
Organização geral do corpo humano: O ser humano possui uma organização estrutural complexa, que inicia no nível químico e termina no nível sistêmico.
1º nível (químico): inclui todas as substâncias químicas necessárias para o funcionamento do organismo. Ex: oxigênio, nitrogênio, potássio, cálcio, sódio....
Estas substâncias são formadas por átomos e estes, combinados, formam as moléculas, como, por exemplo, as proteínas, vitaminas, carboidratos...
2º nível (celular): as moléculas unidas dão origem à unidade estrutural básica do nosso organismo: as células. Cada uma tem sua função específica, de acordo com a região em que se encontra.
3º nível (tecidual): as células se combinam de acordo com suas funções específicas e formam os tecidos. Ex: tecido nervoso, epitelial, conjuntivo, muscular.
4º nível (orgânico): dois ou mais tecidos organizados de acordo com a sua função se unem e dão origem aos órgãos, formados por células e tecidos específicos.
Ex: coração, pulmão, rim, intestino....
5º nível (sistêmico): órgãos relacionados, que realizam uma função em comum, formam os sistemas do nosso organismo.
Ex: sistema respiratório, formado por pulmões, traqueia, laringe, faringe e cavidade nasal. Tem como função a condução do ar atmosférico até os alvéolos, onde ocorre a troca gasosa.
Todos os sistemas, funcionando como um todo, formam o nosso organismo.
CÉLULAS: São a unidade estrutural e funcional básica do nosso organismo.
Membrana Plasmática: Formada por uma bicamada lipídica,com proteínas e carboidratos.
(...)
Note que, na organização do texto, há poucas estruturas sintáticas de coordenação ou subordinação entre as orações. Na maioria dos casos, as frases são bem curtas, ou mesmo incompletas, apresentadas na forma de tópicos. Também é muito comum empregar esquemas e setas para facilitar a exposição das informações, visto que o uso de mecanismos coesivos é pouco frequente.
Perceba ainda que o texto parece composto por uma série de fragmentos, que se relacionam entre si quanto ao conteúdo, mas não mantêm nenhuma ligação gramatical explícita. Como consequência disso, há uma abundância de subseções e recursos de formatação, como negrito, itálico e caixa alta, a fim de hierarquizar os dados expostos de forma clara e objetiva.
O caráter tão sintético e superficial das apostilas faz com que textos desse gênero fiquem defasados rapidamente, o que exige constantes atualizações ou reelaborações do material. Nesse sentido, há inclusive muitas apostilas que sequer são acompanhadas pelo nome de seu autor, sendo comercializadas apenas dentro da instituição para a qual foram produzidas. Outras, no entanto, consideradas mais sofisticadas, são mais bem estruturadas, assinadas e postas à venda em larga escala pelas instituições que as produzem, especialmente em bancas de jornais.
O manual é um texto pragmático, voltado para o saber fazer, em qualquer tipo de atividade humana. Para saber fazer, é preciso saber por que se deve fazer, em que circunstâncias, controlando quais riscos e procurando a melhor alternativa nos casos críticos. Esse gênero textual representa um esforço para preencher uma lacuna na área do conhecimento ou da ação, e por isso deve ser escrito por quem tem habilitação e experiência na área.
Manuais podem apresentar-se com nomes variados, como cartilhas, materiais de apoio, materiais de referência, guias, laboratórios, conjuntos de perguntas mais frequentes com as respostas mais plausíveis, ou mesmo como manuais. Cada um desses subgêneros tem suas características específicas, mas todos compartilham a propriedade de conterem informação disponível para consulta rápida, em momento em que haja dúvidas sobre como agir diante de determinada situação.
Dada sua função de prescrever atitudes e procedimentos adequados para ocasiões ou atividades específicas, o manual é um gênero predominantemente marcado pela injunção, como você viu na aula 1. Tal tipo textual é composto por sequências de comandos, frequentemente apresentados na forma de frases imperativas e curtas, da maneira mais objetiva possível. Esse estilo direto e preciso é necessário para que o manual cumpra seu propósito de servir como material de referência acessível mesmo em consultas rápidas, em busca de instruções.
Para entender melhor a estrutura e a composição de um manual, observe o texto a seguir, que pode ser classificado como um breve manual sobre o trabalho no laboratório.
Note que praticamente todos os comandos e advertências são apresentados em frases curtas e enfáticas, que contêm verbos no imperativo. Esse é o modo verbal que usamos quando queremos dar uma ordem, um conselho ou fazer um pedido, apelando ao interlocutor para que este tenha uma determinada atitude.
Além disso, a apresentação das regras no laboratório de uma forma tão esquemática, em listas numeradas ou com marcadores, permite que o leitor encontre rapidamente uma informação que esteja buscando, não sendo necessário reler todo o texto para encontrá-la. Lembre-se, pois, de que, no ambiente profissional, ter acesso a informações de forma ágil é imprescindível, especialmente em atividades que exigem tomada rápida de decisões.
A chamada educação a distância emergee se expande em velocidade vertiginosa no Brasil (de pouco mais de 600 alunos, dez anos atrás, para algo próximo de 2 milhões de alunos agora, de acordo com os dados divulgados no último congresso da UAB, em 2009), e traz consigo demandas novas e importantes em relação à produção esperada dos professores.
Acreditamos que a maioria dos docentes convidados para escrever material didático para essa modalidade esteja muito mais acostumada a produzir outros gêneros: projetos, relatórios, resumos, resenhas, ensaios, apostilas, manuais, ou até mesmo os chamados “livros didáticos”, entendidos como livros-texto concebidos para estruturar e dar suporte a cursos presenciais. Sendo a expansão da EAD no Brasil um fenômeno relativamente recente, cujos critérios de qualidade estão ainda em construção, poucos estão acostumados, de fato, a escrever o que se chama, na literatura especializada, de material autoinstrucional. Trata-se de um gênero textual novo, que incorpora características particulares demandadas pela EAD, dadas as especificidades dessa modalidade de ensino, em comparação ao método presencial tradicional.
A proposta de EAD com que trabalhamos foi estabelecida a partir de experiências consolidadas na Open University inglesa, criada na década de 60 com o objetivo de, por meio das tecnologias da comunicação, levar o conhecimento acadêmico a pessoas que não podiam frequentar campi universitários tradicionais, por questões de tempo, distância ou dinheiro. Tal iniciativa irradiou para o Brasil com a divulgação da coleção editada por Fred Lockwood (1998), através principalmente das primeiras atuações públicas mais sistemáticas na área. Nesse contexto, a proposta delineada na Inglaterra foi complementada pelos parâmetros sugeridos por uma consultoria especializada da espanhola UNED, ainda hoje uma das principais instituições de EAD do mundo.
A seguir, propomos uma comparação entre as especificidades dos materiais autoinstrucionais e as dos livros didáticos tradicionais, já que estes pertencem a um gênero didático que parece ter mais proximidade com o que queremos descrever, e com o qual as fronteiras seriam menos nítidas, portanto. Além disso, como a maioria dos professores tem bastante experiência na utilização de livros didáticos tradicionais, é importante mostrar que, se tiverem de atuar na EAD, não podem simplesmente repetir as fórmulas e estruturas de materiais usados no ensino presencial. Embora haja muitas semelhanças, o respeito às diferenças entre esses gêneros é fundamental para a elaboração de um curso bem sucedido.
Com esse procedimento comparativo, é claro que tendemos a acentuar as características extremas dos gêneros em confronto no quadro a seguir, mesmo sabendo que entre eles pode haver gradações, nuances e contraexemplos consideráveis. Mesmo assim, acreditamos que a comparação que estamos propondo possa lançar mais luz sobre o gênero emergente, auxiliando o professor que tem de lidar com ele – ou mesmo produzi-lo – em sua atividade docente.
Vale ressaltar, ainda, que as diferenças entre esses gêneros são basicamente oriundas de dois esforços: desenvolver a autonomia do aluno e incorporar ao material didático algo central do que acontece de melhor na sala de aula presencial. Isso exige que a estrutura do material estabeleça a criação de um ambiente suficientemente coeso para favorecer a concentração nos estudos e a criação de uma comunidade de aprendizagem; a modelagem de um ambiente suficientemente aberto para troca ativa de experiências entre seus integrantes e atendimento a demandas de grupos heterogêneos; e a possibilidade de emergência de professores e alunos como indivíduos singulares, por meio do diálogo.
Para facilitar a comparação dos aspectos macroestruturais entre o livro didático tradicional e o material autoinstrucional, propomos, a seguir, uma tabela em formato econômico, adaptada a partir de LOCKWOOD (1998). Leia-a atentamente.
LIVRO DIDÁTICO |
MATERIAL AUTOINSTRUCIONAL |
Planejado para um público mais genérico, situado em um contexto espaciotemporal difuso |
Planejado para um público mais específico, situado em um contexto espaciotemporal bem definido |
Escrito para guiar professores |
Escrito para guiar alunos |
Desenvolvido pelos autores do conteúdo |
Desenvolvido por equipes de produção que incorporam diferentes profissionais |
Não prevê relação entre conteúdo apresentado e carga horária correspondente |
Prevê relação de conteúdo e atividades com carga horária correspondente |
Pressupõe o interesse do leitor |
Busca despertar o interesse do leitor |
Raramente explicita metas e objetivos a cada nova unidade temática |
Tende fortemente a estabelecer metas e objetivos a cada nova unidade temática |
Não avisa sobre habilidades de estudo exigidas |
Promove habilidades de estudo exigidas |
Busca estilo mais impessoal e formal |
Busca estilo mais pessoal e informal |
Estabelece, visualmente, rota única de leitura |
Estabelece, explícita e visualmente, rotas variadas de leitura |
Raramente antecipa dificuldades e dúvidas que o leitor possa ter |
Alerta para dificuldades e dúvidas potenciais do leitor e incorpora-as ao texto |
Tende a se concentrar quase que exclusivamente na apresentação do conteúdo |
Tende a inserir, consciente e sistematicamente, elementos de mediação com o conteúdo |
Tem conteúdo mais compactado (denso) |
Tem conteúdo mais aberto e detalhado |
Concentra-se quase exclusivamente no texto escrito |
Busca sistematizar conexões com outras mídias |
Não requer, via de regra, resposta mais ativa e explícita do leitor |
Requer, via de regra, resposta mais ativa e explícita do leitor |
Dá pouca ênfase à autoavaliação |
Dá grande ênfase à autoavaliação, incluindo a elaboração de parâmetros claros e detalhados para isso |
Tem estrutura de atividades ausente ou acanhada, em posição posterior, e com ênfase em revisão de leitura |
Tem estrutura de atividades robusta e distribuída ao longo de todo o material, com ênfase na manipulação conceitual |
Raramente oferece resumos |
Via de regra oferece resumos |
É avaliado após a produção |
É avaliado após e durante a produção |
É atualizado eventualmente |
É atualizado sistematicamente |
No que diz respeito aos aspectos mais microestruturais do gênero material autoinstrucional, isto é, o padrão sintático e a escolha de palavras que ele apresenta, é importante notar que, dadas suas especificidades de função e forma, também há uma série de diferenças relevantes, em comparação com os livros didáticos tradicionais. Cursos na modalidade a distância que não consideram essas diferenças, disponibilizando materiais que em nada diferem dos utilizados em cursos presenciais, estão fadados a altos índices de evasão, devido à consequente desmotivação dos alunos. Afinal, se é pela linguagem que ocorre a mediação nas relações e a construção do conhecimento, uma série de escolhas linguísticas inapropriadas tende a tornar o processo de ensino-aprendizagem ineficaz.
No entanto, é importante deixar claro que orientações como “linguagem clara” ou “linguagem direta” dizem pouco a respeito sobre as estruturas gramaticais e a seleção de palavras mais adequadas para a composição de um texto. A seguir, procederemos, portanto, a uma análise mais minuciosa das construções linguísticas e do tipo do vocabulário que julgamos mais apropriados para a redação de um material autoinstrucional.
Cabe ressaltar, no entanto, que, como o material autoinstrucional é um gênero muito recente, ainda não estão bem claras e assentadas as suas características. Isso quer dizer que, daqui a algum tempo, pode ser que a forma de redigi-los ou interagir com eles mude, logo é preciso que você, em processo de formação docente continuada, esteja sempre antenado para as discussões a respeito desse assunto. Trata-se de tema sobre o qual a maioria das pesquisas é ainda muito inconclusa, de modo que suas contribuições, oriundas de pesquisas ou da própria prática docente, podem ajudar a escrever a história do material autoinstrucional no país!
Agora que você já conhece um pouco mais sobre os principais gêneros textuais vinculados à atividade docente, gostaríamos de propor uma atividade de reflexão acerca do texto desta aula, na qualidade de material didático.
Responda, pois, a esta pergunta: De que forma este texto apresenta as características do material autoinstrucional apresentadas na seção anterior? Não deixe de justificar sua resposta apresentando trechos da aula e associando-os às principais características da escrita para EAD, bem como a relevância de tais particularidades para garantir eficácia no processo de ensino-aprendizagem nessa modalidade educacional emergente.
COSTA, F. C. R. Instruções para o trabalho de laboratório. Disponível em http://www.docstoc.com/docs/24823099/INSTRU%C3%87%C3%95ES-PARA-O-TRABALHO-DE-LABORAT%C3%93RIO. Acesso em 22 mar 2010.
Fundação CECIERJ. Vestibular CEDERJ 2009.2 - Caderno de provas. Disponível em http://www.cederj.edu.br/vestibular/vestibularesanteriores/2009_02/arquivos/gabarito/VEST-2009-JUN.pdf. Acesso em 20 mar 2010.
LOCKWOOD, F. The design and production of self-instructional materials. Manchester: Paperback, 1998.
LOPES, R. J. Bilhões de pobres sofrerão com aquecimento, diz relatório da ONU. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL18807-5603,00-BILHOES+DE+POBRES+SOFRERAO+COM+AQUECIMENTO+DIZ+RELATORIO+DA+ONU.html. Acesso em 20 mar 2010.
Questões do segundo exame de qualificação do vestibular UERJ 2008. Revista eletrônica do vestibular. Disponível em http://www.revista.vestibular.uerj.br/questao/questao-objetiva.php?seq_questao=81. Acesso em 21 mar 2010.
SCHNEIDER, C. DIAS, P. F. F. Apostila de Biologia Celular. Disponível em http://www.sogab.com.br/apostiladebiologiacelular.pdf. Acesso em 22 mar 2010.
UFRJ – Concurso de acesso aos cursos de graduação – 2009. Disponível em http://www.acessograduacao.ufrj.br/Downloads/Concurso_2009_Prova_1.pdf. Acesso em: 21 mar 2010.
Vestibular integrado UFF/UFRRJ/2005. Disponível em http://www.coseac.uff.br/integrado/2005/provas/Integrado_UFF_UFRRJ_Etapa1.pdf. Acesso em 21 mar 2010.
Vestibular UnB 2002. Prova de Química. Disponível em http://www.turmadomario.com.br/cms/media/unb2002_qui.pdf. Acesso em 21 mar 2010
Esperamos que, ao final desta aula, você tenha se familiarizado um pouco mais com os gêneros textuais mais frequentes no trabalho de um professor, já que sua futura atuação profissional se dará sempre por meio da linguagem, ora escrita, ora oral. Contudo, além de dominar as técnicas aqui expostas, desejamos é desejável que você desenvolva suas próprias estratégias para aplicá-las da melhor forma possível, com vistas a proporcionar a seus futuros alunos experiências significativas de aprendizagem. Ler e escrever melhor certamente fará de você um profissional mais qualificado, capaz de escolher, entre os vários recursos que a língua oferece, os mais adequados para cada situação.
Nesta aula, você estudou os gêneros textuais ementa, programa de curso, prova escrita, apostila, manual e material para EAD, como recursos básicos da atividade docente.
Assim, aprendeu que a ementa indica, na forma de frases nominais bem sucintas, os tópicos que determinada disciplina visa a cobrir, servindo como orientação para o professor na hora de planejar o curso. Tal preparação se materializa na forma de um plano de curso, em que os tópicos da ementa são organizados em eixos temáticos e razoavelmente distribuídos ao longo da quantidade de aulas previstas. Ademais, o plano inclui a bibliografia básica com que os alunos trabalharão naquela disciplina, de modo a permitir que todos se preparem de antemão, no que diz respeito à aquisição do material requerido.
Nesta aula, você aprendeu também algumas técnicas acerca da preparação de provas escritas, nas modalidades discursiva e de múltipla escolha. Nesse sentido, é importante lembrar que a opção por determinado modelo não deve ser gratuita, mas sim orientada pelos objetivos que se deseja atingir com aquela avaliação.
Ademais, discutimos também o papel desempenhado por apostilas e manuais no ensino, uma vez que muitas instituições requerem que seus professores redijam textos dessa natureza para seus alunos. Ambos os gêneros têm a seu favor o caráter sintético e objetivo, embora a apostila seja mais expositiva e esquemática, enquanto o manual tem função basicamente injuntiva. No entanto, vale lembrar que a brevidade excessiva desses gêneros resulta por vezes em falsas generalizações ou simplificações demasiadas de questões que mereceriam ser mais discutidas e problematizadas.
Por fim, você aprendeu um pouco mais sobre a elaboração de material didático para a EAD, uma modalidade de ensino cada vez mais relevante no quadro da educação nacional, demandando novas habilidades do professor, inclusive no que diz respeito à produção escrita. Conforme vimos, o material autoinstrucional não se confunde com o livro didático tradicional, uma vez que precisa incorporar à estrutura textual o caráter dialógico que se dá naturalmente na interação presencial.
Na próxima aula, conversaremos um pouco sobre aspectos lingüísticos mais pontuais, que dizem respeito a todos os gêneros com que viemos trabalhando ao longo deste curso. Assim, serão apresentadas algumas das principais convenções adotadas na norma dita culta, no que diz respeito ao emprego dos sinais de pontuação e de crase, além de questões de concordância, regência e ortografia. O respeito a tais regras é importante para que seu texto seja bem aceito na comunidade acadêmica e na esfera profissional, de modo a permitir que suas ideias sejam lidas e ouvidas com a merecida atenção.