Redação de textos acadêmicos

Informações gerais

Meta

Apresentar o conceito de coerência textual e sua importância para a construção de bons textos.

Objetivos:

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:

  1. compreender a noção de coerência textual e sua importância para uma boa legibilidade dos textos;
  2. identificar as principais estratégias textuais que asseguram coerência ao discurso;
  3. reconhecer e corrigir falhas textuais que comprometam a coerência do discurso.

1. Introdução

“Todo o caráter coerente consigo mesmo
tem sempre razão; perder
a razão é a única contradição”
.
Friedrich Schiller (1759 – 1805)


Fonte: http://www.sxc.hu

Figura 1: A construção da coerência textual é um trabalho feito a quatro mãos.

Na sua vida profissional ou acadêmica, bem como nas relações diárias, certamente você lê e escreve bastante. A escrita funciona como um veículo muito útil para a comunicação humana, pois permite que o emissor e o receptor da mensagem interajam em momentos diferentes, havendo, inclusive, um registro das informações transmitidas. No entanto, essa aparente eficiência da comunicação pode ser substancialmente comprometida, se houver problemas na produção e na recepção do texto que compreendam sua interpretação.

Nem sempre é muito fácil entender o que se lê. Alguns textos parecem obscuros por causa das palavras ou do tema desconhecidos; outros, porque não permitem identificar a intenção do autor; há ainda aqueles cujas partes se contradizem ou em nada se relacionam. Problemas como esses obstruem a comunicação e, na escrita, têm um agravante: o autor geralmente não está presente quando o leitor tem contato com o texto, o que impede eventuais consultas e solicitações imediatas de esclarecimento.

Interpretabilidade
é a condição daquilo que faz sentido e, portanto, pode ser interpretado.

Tais dificuldades de interpretação estão diretamente relacionadas à noção de coerência textual, que recobre a interpretabilidade do texto. Um texto coerente é inteligível e apresenta informações não-contraditórias, que podem ser recuperadas pelo leitor.

No entanto, assegurar coerência a um texto não é tarefa exclusiva do autor. Se este deve selecionar e organizar as informações apresentadas de forma apropriada, o leitor precisa ter um conhecimento de mundo e de leitura que lhe permita compreender adequadamente o texto. Vê-se, portanto, que a coerência não é uma característica exclusivamente interna da mensagem, mas algo a ser construído na interação entre emissor e receptor.

Como exemplo ligado à escrita acadêmica, podemos ver o texto a seguir, em que a coerência só se constrói na colaboração entre autor e leitor.

Texto I

Avaliação de objetos de aprendizagem com foco na acessibilidade

Cristiano Maciel, Alessandra F. da Fonseca, Alex S. da S. Nunes, Thais P. Brito, Reinaldo V. Alvares, Renato C. Vieira

Introdução

As tecnologias em muito têm avançado no mundo virtual, contudo nem todos conseguem alcançar seus benefícios. Como exemplo, há os usuários portadores de necessidades especiais, os quais podem não usufruir completamente desses avanços, pois grande parte da informação não está disponível para eles, ou ainda, o hardware não foi projetado para uso especial. Infelizmente, essas pessoas são comumente esquecidas, uma vez que os projetistas e desenvolvedores se esforçam para cumprir seus prazos e superar requisitos de competitividade (PUC-Rio, 2006), deixando de lado questões como acessibilidade e até mesmo usabilidade.

Na proposta de criação de uma biblioteca digital na Web e consequente transformação das pastas virtuais educacionais dos professores da UNISUAM em Objetos de Aprendizagem (OA), realizada por [5], o projeto de interface favorece apenas alunos que não possuem deficiência visual. Pôde-se observar que os deficientes visuais não conseguiam fazer o uso da página devido à não-utilização de recursos de programação específicos, necessitando de um acompanhante para realização das atividades. Ademais, é necessária uma avaliação do OA proposto por [5].

O foco deste projeto é possibilitar que as pastas virtuais dos professores estejam disponíveis para os alunos deficientes visuais da UNISUAM, de forma que eles possam acessá-las de qualquer lugar via Internet, sem a necessidade do auxílio de outra pessoa. Para tal, transformam-se os conteúdos digitais das pastas em OA Web acessíveis e faz-se uma avaliação desses, com diferentes instrumentos.

Este artigo está estruturado como segue. Após esta introdução, tem-se um breve referencial teórico, abordando conceitos acerca de acessibilidade, Objetos de Aprendizagem e critérios para busca da qualidade nesses. Em seguida, apresentamos a metodologia da pesquisa, bem como as maneiras selecionadas para avaliação de OA e o processo para obtenção de acessibilidade na pasta virtual dos professores, com a realização de testes para avaliação e melhoramento da proposta. Finalmente, apresentamos as conclusões e as referências bibliográficas.

(...)

Como você poderá perceber revendo com atenção o texto que reproduzimos, os autores desse artigo construíram uma introdução que apresenta bem seu trabalho, delimitando-lhe as partes constituintes e chamando atenção para o fio condutor que as une: a avaliação de objetos de aprendizagem com foco na acessibilidade. Aliás, uma das principais características da coerência textual é essa noção de unidade: um texto só é coerente se suas diversas partes constroem um sentido global, que possa ser facilmente apreendido pelo leitor.

Porém, esse efeito de “unidade” não é construído descolado das pessoas que estão implicadas na comunicação porque, como já vimos, a construção da coerência é uma via de mão dupla, na qual autor e leitor agem colaborativamente. Quer ver como isso funciona, na prática? Pois pense bem: no caso que estamos analisando, se o leitor não conhece alguns termos do jargão da computação, como Objeto de Aprendizagem, hardware, web e interface, pode não conseguir apreender a ideia geral do texto, intimamente relacionada à área de informática.

Além disso, caso o leitor do texto em questão ignore algumas características do gênero textual que está sendo lido, pode não compreender a forma como as informações são ali apresentadas. Um leitor que não esteja acostumado ao formato do artigo científico e suas diferentes convenções talvez não seja capaz de interpretar o período a seguir: “Ademais, é necessária uma avaliação do OA proposto por [5]”. Ao deparar-se com o numeral entre colchetes, um leitor desavisado poderia pensar tratar-se de uma nota de rodapé que os autores tivessem se esquecido de preencher. Por outro lado, o conhecimento dos diferentes gêneros textuais da vida acadêmica permite perceber que o numeral indica uma referência bibliográfica, que vem listada em ordem alfabética ao final do texto (no sistema numérico de referências).

Em suma, até aqui vimos que a coerência textual, isto é, o conjunto de condições para que um texto faça sentido, é construída solidariamente entre autor e leitor. A seguir, vamos estudar quais elementos contribuem para tornar um texto coerente, propondo inclusive sugestões para tornar mais eficiente sua comunicação escrita. Primeiro, porém, que tal pôr em prática o que você aprendeu?


Atividade 1

Responda a estas perguntas com base no texto que se lhes segue.

  1. Em um primeiro momento, este texto pode ser julgado coerente? Por quê?
  2. Que esforço o leitor tem de fazer para julgar este texto coerente? Que suposições precisam se feitas quanto ao gênero textual e à intencionalidade do autor?

Texto II

João vai à padaria. A padaria é feita de tijolos. Os tijolos são caríssimos. Também os mísseis são caríssimos. Os mísseis são lançados no espaço. Segundo a Teoria da Relatividade, o espaço é curvo. A geometria rimaniana dá conta desse fenômeno. (MARCUSCHI, 1983, p.31)

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2. Fatores que asseguram a coerência textual



Fonte: http://www.sxc.hu

Figura 2: Para a coerência ser solidamente construída, temos que firmar os pilares da fundação.

Se a coerência textual é construída na interação entre autor e leitor, há uma série de fatores para os quais ambos os membros da interação comunicativa devem atentar. Entre eles, podemos destacar a seleção de palavras, o conhecimento de mundo, a intencionalidade discursiva, a consistência, as informações implícitas e a progressão temática. A seguir, veremos cada um deles detalhadamente.

2.1. Seleção de palavras

O conjunto de palavras que um texto apresenta, segundo os arranjos gramaticais em que elas são combinadas, é o elemento mais aparente da teia que forma a coerência. Afinal, sem uma boa seleção e disposição vocabular, a possibilidade de compreensão de um texto diminui sensivelmente.

Ao leitor, cabe, no exercício da leitura, usar alguns recursos de identificação de sentido ao deparar-se com palavras não familiares. O primeiro é tentar, a partir do contexto, deduzir, em termos gerais, a que determinado vocábulo desconhecido remete. Em paralelo a isso, pode-se ainda fazer comparação com outras palavras conhecidas e semelhantes, a fim de identificar algum parentesco semântico.

Exemplo:

O ensino magistrocêntrico foi muito criticado por limitar as possibilidades de coconstrução do saber.

Inferência lexical
é a identificação de sentido de uma palavra desconhecida, que pode ser feita a partir de análise minuciosa do contexto ou da semelhança com outros vocábulos.

Na frase acima, as palavras destacadas podem oferecer alguma dificuldade de identificação imediata de sentido. Caso algumas técnicas de inferência lexical não sejam usadas, a coerência do período se compromete.

Observemos, portanto, a relação desses vocábulos com os demais. Magistrocêntrico deve ser algum tipo de ensino, como a frase sugere. Coconstrução é algo que pode ser feito com o saber.

Além disso, a comparação com palavras semelhantes e conhecidas pode ser muito útil. Magistrocêntrico lembra magistral, magistério, mestre, e cêntrico lembra centro. Trata-se, pois, de um tipo de ensino centrado no mestre. Da mesma forma, co- é um prefixo que está presente em palavras como comparar, cooperar e conviver, as quais sugerem a noção de companhia e coletividade. Assim, coconsrução, no período analisado, é uma construção do saber em companhia de outra pessoa.

No entanto, se ainda assim você não conseguir identificar o significado de uma palavra, não hesite em utilizar o dicionário.

O aposto
é o termo da oração que introduz uma explicação ao que foi dito anteriormente.

Exemplo: O ensino magistrocêntrico – centrado na figura do mestre – foi muito criticado por limitar as possibilidades de coconstrução do saber.

Quanto ao autor, seu papel também é importante na seleção dos elementos linguísticos. Assim, ele deve escolher bem as palavras que vai empregar, fazendo suposições sobre o vocabulário do leitor. Nesse sentido, vemos que é fundamental ter bem definido para quem escrevemos um texto: um leigo ou um especialista? Um aluno ou um professor? Se por algum motivo você supuser que seu leitor desconhece um termo presente em seu texto, repense a necessidade de tal palavra ser empregada. Não há outra, mais adequada? Se for única ou indispensável, apresente uma explicação, introduzida em nota de rodapé ou por um conectivo como isto é ou ou seja. Vale também apresentar explicações entre vírgulas, parênteses ou travessões, na forma de um aposto.

Além disso, vale lembrar que escrever bem não é escrever de forma erudita ou rebuscada. Vemos, por vezes, pessoas que abusam de construções desnecessariamente complexas, como adotar-se-á, fizeram-no-la, inversões na ordem das palavras e uso do pronome vós. Ou mesmo aqueles que ficam encantados com o jargão de sua área e querem usá-lo de forma indiscriminada. Sugerimos prudência e bom senso, pois de nada adianta um texto que o leitor não compreenda, não transmitindo, pois, uma mensagem.

2.2. Conhecimento de mundo

Para que um leitor possa interpretar um texto, julgando-o coerente, não basta conhecer individualmente o significado de cada uma de suas palavras. É preciso também perceber como elas designam e representam coisas do mundo real, isto é, se a informação que elas veiculam pode ser considerada verdadeira fora do texto. Para compreendê-lo melhor, tomemos como exemplo o texto a seguir.

Texto III

Os benefícios do tomate

Na luz alegre do verão, na intimidade de um pequeno porto em Nápoles, o Vesúvio e um castelo servem de fundo para a mesa da dieta que pode reduzir os riscos de tumor em 22% – um índice muito alto.
A dona de restaurante Carmela Abate mostra as grandes invenções da cozinha napolitana e que fazem bem à saúde. A “fresella”, uma torrada de pão velho temperada com a essência dos sabores da região, é fundamental na Dieta Mediterrânea.

Primeiro, tomate de Sorrento, ideal para salada. Azeitonas verdes, orégano, pouca cebola. As folhas de manjericão são cortadas para exprimir melhor o gosto e o perfume. Em seguida, rúcula e azeite extra-virgem de oliva. A torrada deve ser banhada na água.

“Esta receita faz bem ao coração e dá muita alegria. A nossa cozinha deve muito ao tomate. E também ao Vesúvio. Sim, porque os tomatinhos do Vesúvio são absolutamente os melhores e os mais cremosos. São pequenos, com uma ponta”, diz ela.

Setenta anos atrás, o agricultor Vincenzo Manzo já se dedicava a cachos do tomatinho. De um vermelho ardente, o tomate do Vesúvio é cultivado sem irrigação e nutrido pelas riquezas que a lava semeou um dia, principalmente o potássio.

Casas vesuvianas repletas de tomates suspensos ainda existem. Os cachos resistem à chegada do inverno em lugar fresco. A casca espessa limita a desidratação do fruto. Mas foi a pele dos italianos que impressionou, pelo brilho. E também o entusiasmo deles pela vida, aos 80 anos.

(...)

Embora o texto esteja bem escrito e tenha seu sentido global facilmente apreendido (os benefícios do tomate, como atesta o título), alguns leitores podem sentir dificuldade para julgá-lo inteiramente coerente. Isso se deve à seguinte passagem, que apresenta uma aparente contradição ao senso comum: “Casas vesuvianas repletas de tomates suspensos ainda existem. Os cachos resistem à chegada do inverno em lugar fresco. A casca espessa limita a desidratação do fruto”.

Alguém que desconheça o fato de o tomate ser um fruto pode ou aprendê-lo a partir dessa leitura ou achar que o texto é incoerente. Nesse caso, se o autor suspeita de que o receptor de sua mensagem ficaria desconfiado, seria interessante dedicar-se um pouco mais à explicação desse fato no texto.

Ainda no que diz respeito ao conhecimento de mundo, há uma regra básica que pode ser obedecida no ato da escrita, a fim de contribuir para que o texto se torne coerente. Tal princípio (parte de um total de quatro, a serem vistos ao longo da aula) foi criado por Michel Charolles, pesquisador francês sobre a Linguística Textual.

Esse preceito é conhecido como regra da relação e pode ser sintetizado assim: as ideias apresentadas em um texto devem ser verossímeis, ou seja, verdadeiras quanto à realidade.


Atividade 2

Responda a estas perguntas com base no texto que se lhes segue:

  1. No texto, apresenta-se uma situação que não se verifica no mundo real: a fala de uma árvore. Tal aparente ruptura com a regra de relação seria de mesma intensidade se presente em um artigo científico? Justifique sua resposta.
  2. Ainda que árvores no mundo real não falem, pode-se dizer que o texto é incoerente? Leve em consideração a provável intenção do autor que produziu a tirinha.

Texto IV

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2.3. Intencionalidade discursiva

Intencionalidade discursiva
é o conjunto de objetivos de alguém que interage comunicativamante. Em um texto científico, a intencionalidade do autor geralmente é informar o leitor, que, por sua vez, tem o objetivo de adquirir novos conhecimentos acerca de determinado tema.

Como você viu no exercício anterior, para que um texto seja coerente, é preciso não só unidade de sentido, mas que seja viável para o leitor identificar uma possível intenção por parte do autor. Se não compreendemos por que alguém nos manda determinadas informações, fica difícil apreender de forma integral a mensagem. Para tanto, é importante reconhecer o gênero textual, como vimos na Aula 1, pois ele é definido, em parte, pela intencionalidade discursiva.

A intencionalidade é tão importante que pode até dar sentido à aparente falta de sentido. O absurdo é um recurso frequente do texto humorístico, mas não causa incoerência porque sabemos que, entre os objetivos do autor desse gênero, está o de quebrar expectativas.  Por outro lado, o texto acadêmico corre o risco da incoerência a qualquer aparente contradição ou inadequação à realidade, pois se espera de seu autor o objetivo de clareza e precisão em sua exposição.

Para entender isso melhor, vamos dar uma olhada no artigo “Biologia e destino”, de Moacyr Scliar, reproduzido parcialmente a seguir.

Texto V

Biologia e destino

Moacyr Scliar

Biologia é destino. Durante séculos esta fatalista noção governou o pensamento científico. Era uma ideia com muitos desdobramentos. Um deles, talvez o principal, dizia respeito à hereditariedade. Somos aquilo que herdamos de nossos pais, para o bem ou para o mal.

Quando é para o bem, ótimo – aí temos casos como o da família Bach, com vários músicos ilustres. Mas, quando é para o mal (muito mais frequente, sempre segundo o simplista raciocínio), estamos diante do completo e irreversível desastre.

As consequências desta visão, inclusive em termos políticos, são sombrias. No século XIX, o psiquiatra Cesare Lombroso lançou, em L’uomo delincuente, a teoria do criminoso reconhecível até por suas características físicas. Ao mesmo tempo, surgia uma ciência, ou pseudociência, chamada eugenia, que se propunha a exatamente evitar o nascimento de criminosos e outros "degenerados".

Se é possível melhorar o gado, dizia-se, por que não fazer o mesmo com as pessoas? A comparação mostra o risco embutido em tal doutrina. E, de fato, com o nazismo, e a ideia da raça pura, a catástrofe se consumou: milhões de pessoas pagaram com a vida o fato de terem "sangue judeu" ou de serem retardadas ou inválidas; foram exterminadas como bois no matadouro.

Não é de admirar, portanto, que, durante muito tempo, a genética fosse vista com suspeição até por cientistas. Na extinta União Soviética tentou-se provar que as ideias de Mendel estavam erradas; haveria, sim, uma transmissão hereditária, mas de caracteres adquiridos, passíveis de serem transformados.

Uma sociedade justa resultaria em pessoas melhores, e esta melhora se propagaria de geração em geração, resultando no aperfeiçoamento da humanidade. Muito generoso, mas, infelizmente, muito errado também. Hoje, ninguém mais se lembra da figura de Lissenko, o "comissário" soviético para assuntos de hereditariedade e o grande propagador dessa tese.

O resultado de tudo isso foi perplexidade, para não dizer desânimo. Mas então, e aos poucos, a ciência começou a dar respostas para as interrogações que ela própria tinha formulado. A descoberta do DNA foi um grande passo nesse sentido.

Agora, o "código da vida" tornava-se conhecido. Mas como mexer nele? Não se tratava de uma intervenção cirúrgica, pela qual um defeito cardíaco, por exemplo, é corrigido. Não, aqui estávamos falando de coisas submicroscópicas.

E aí veio uma coisa revolucionária chamada engenharia genética. Por meio de engenhosas técnicas, os cientistas aprenderam a mexer nas unidades básicas de transmissão da hereditariedade, os genes. Que, por sua vez, estão sendo mapeados através do gigantesco programa Genoma.

Como se pode imaginar, estas novas e excitantes possibilidades criam muitos problemas. Em primeiro lugar, problemas éticos: até que ponto estamos autorizados a mexer com a natureza? O que é, o que não é permitido? Em segundo lugar, e não menos importante: como já dizia Bacon, conhecimento é poder, e o poder resultante da engenharia genética parece ilimitado.

Como as pesquisas se dão principalmente em países desenvolvidos, o resultado disso seria aprofundar o fosso entre centro e periferia, entre ricos e pobres. O Terceiro Mundo ficaria ainda mais dependente em termos de tecnologia. Por isso é importante que países como o Brasil desenvolvam suas próprias pesquisas. Daí a importância do trabalho desenvolvido pela Onsa.

Essa pitoresca e significativa sigla designa a Organização para o Sequenciamento e Análise de Nucleotídeos (as substâncias químicas básicas da hereditariedade), formada por pesquisadores de várias instituições paulistas, como a UNESP. Depois de dois anos de trabalho, o grupo conseguiu estabelecer o sequenciamento genético da Xylella fastidiosa, uma bactéria que é o terror dos citricultores: causa o "amarelinho", doença dos cítricos que dá prejuízos anuais de 100 milhões de dólares à economia brasileira. Conhecida a estrutura da bactéria, é possível intervir nela, evitando a enfermidade.

Conclusão: não, biologia não é destino. Ao comprová-lo, a humanidade mostra que as adversidades podem ser superadas. A ciência, usada em benefício das pessoas, é a resposta adequada para as vicissitudes que nos são impostas pela natureza. Ao superá-las, não apenas melhoramos o mundo em que vivemos; melhoramos a nós mesmos.

Como esse artigo foi divulgado no Jornal da Unesp, espera-se que traga informações precisas e atualizadas, voltadas para pesquisadores e membros da comunidade acadêmica. No entanto, o leitor se depara, ao longo do desenvolvimento, com teorias antiquadas e superadas, como as de Cesare Lombroso e Lissenko.

Mesmo assim, tal opção por partir da obsoleta eugenia para a atual engenharia genética e a bioética não se revela incoerente. O leitor julga esse texto como altamente coerente ao perceber o objetivo do autor que o compôs dessa forma: fazer um breve percurso histórico do estudo da genética para ratificar seu ponto de vista, que nega o dos cientistas desatualizados. Para Moacyr Scliar, diferentemente dos que defendiam a visão fatalista, biologia não é destino, mas sim a chance de melhorar o mundo e a nós mesmos. Capaz de reconstituir a intencionalidade discursiva, o leitor vê como justificadas e plausíveis as escolhas textuais do autor, mesmo que inesperadas em um determinado contexto.

2.4. Consistência (não-contradição)

Além das características vistas até aqui, um texto coerente deve ser consistente, isto é, não deve apresentar informações contraditórias. Para tanto, Michel Charolles determinou a segunda regra da coerência, que deve ser atendida quando se escreve: a regra da não-contradição. Segundo esse princípio, um texto bem formado jamais afirma e nega algo ao mesmo tempo, a menos que, de alguma forma, sinalize qual das opções deve ser interpretada como verdadeira.

Vejamos a seguir como essa má formação do texto pode comprometer sua interpretabilidade e de que formas podemos evitá-la.

O carnaval carioca é uma beleza, mas mascara, com seu luxo, a miséria social, o caos político, o desequilíbrio que se estabelece entre o morro e a Sapucaí. Embora todos possam reconhecer os méritos de artistas plásticos que ali trabalham, o povo samba na avenida como um herói de uma grande jornada. E acrescente-se: há manifestação em prol de processos judiciais contra costumes que ofendem a moral e agridem a religiosidade popular. O carnaval carioca, porque se afasta de sua tradição, está tornando-se desgracioso, disforme, feio (MEDEIROS, 2003, p.136).

Esse parágrafo incorre em duas graves falhas que lhe comprometem a coerência: em primeiro lugar, não se pode definir com clareza o sentido global da passagem. Trata-se de um amontoado de muitas afirmações diferentes e pouco relacionadas, o que compromete o fluxo da leitura.

Além disso, há um segundo desvio ainda mais gritante: o descumprimento da regra de não-contradição. Se na primeira frase “o carnaval carioca é uma beleza”, na última “está tornando-se desgracioso, disforme, feio”.

É muito comum que falhas textuais como essa ocorram em textos longos, que escrevemos pouco a pouco, mesmo ao longo de vários dias. A cada vez que retomamos a escrita em casos assim, é preciso reler tudo o que foi escrito antes, para garantir que não nos contradigamos.  Em especial, deve-se atentar para a introdução e a conclusão dos textos, pontos de partida e chegada do desenvolvimento de nosso raciocínio.

No entanto, caso seja necessário apresentar ideias antagônicas na construção de seu texto, tome cuidado para não construir um contrassenso. Assim, em vez de dizer que o Carnaval carioca é uma beleza, mas é feio, há outras formas mais coerentes de expressão.

Exemplos:

O Carnaval carioca ERA uma beleza, mas está tornando-se feio.

MUITOS CONSIDERAM o carnaval carioca belo, mas ele está tornando-se feio.

Vamos agora exercitar um pouco esses conhecimentos?


Atividade 3

Responda a estas perguntas com base no texto que se lhes segue.

  1. Considerando que este é um texto com função informativa, há uma passagem que pode ser considerada incoerente. Identifique-a e diga por que está mal redigida.
  2. Qual das regras postuladas por Michel Charolles foi desrespeitada no texto?
  3. Sugira uma nova redação para o trecho incoerente.
  4. d. De que forma a incoerência no texto se assemelha à postura da rede de lanchonetes Pret-a-manger?

Texto V

Rede inglesa usa carne de frango congelada do Brasil e é acusada de fazer propaganda enganosa

O Globo

Depois do imbróglio da água mineral Dasani, que a Coca-Cola engarrafava das torneiras do subúrbio londrino de Sidcup, agora é a vez da galinha fresca para inglês ver: a rede de lanchonetes Pret-a-manger, cuja principal premissa é a de vender sanduíches e saladas feitas com ingredientes frescos, está usando frango congelado importado do Brasil. A denúncia feita pelo jornal "Daily Telegraph" expôs uma contradição na filosofia da companhia, cujo faturamento anual é de cerca de US$ 350 milhões (a linha de produtos à base de frango corresponde a pelo menos 5% desse total).

Ainda que a Pret-a-Manger, que tem 150 lojas no Reino Unido, argumente que a importação é feita por conta do melhor tratamento dado no Brasil (no Reino Unido, a compra de produtos de aves criadas em cativeiro é um dilema ético), grupos de defesa dos direitos do consumidor apontaram para o fato de a companhia não mencionar publicamente a origem do frango e de passar a impressão de estar usando produtos frescos - algo reforçado pelo fato de as embalagens de saladas e sanduíches conterem o slogan "Just made" (recém-feito em inglês).

Os ambientalistas, por sua vez, reclamam das pegadas de carbono dos sanduíches e de outros produtos da rede, que na semana passada também enfrentou outra polêmica com a revelação de que os peixes usados em seus pratos de sushi vinham do Chile e não de mares mais próximos dos domínios da rainha Elizabeth II. As queixas foram ouvidas pelas autoridades competentes. O British Standards Trading Institute disse acreditar num caso de propaganda enganosa. A entidade argumenta que o termo "ingredientes frescos" só pode ser utilizado caso nenhum produto tenha sido processado.

Numa medida para tentar arrefecer os ânimos – a turma dos contentes inclui também os produtores avícolas britânicos, nada felizes com a importação anual de 143 mil toneladas de frango apenas de Brasil e Tailândia –, o fundador da Pret-a-manger, Julian Metcalfe, anunciou que a rede, a partir de 2012, utilizará apenas o produto nacional, ainda que custe três vezes mais que o importado.

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2.5. Informações implícitas

A inferência
é um processo realizado pelo leitor, que, a partir do contexto ou das pistas deixadas pelo autor, apreende informações que não estão explícitas no texto.

Outro fator fundamental para o estabelecimento da coesão é a identificação de informações implícitas no texto, operação conhecida como inferência.

Um texto pode, então, ser entendido como um iceberg. No caso dessa massa de gelo, apenas uma pequena porção de seu volume fica visível, acima da superfície da água, enquanto sua maior parte praticamente não se vê, pois não está à tona. Da mesma forma, um texto apresenta uma pequena parte de suas informações na superfície material. Porém, a maior parte está implícita, cabendo ao leitor recuperá-la.

Vejamos agora os dois principais recursos linguísticos que envolvem inferências: os pressupostos e os subentendidos.

2.5.1. Pressupostos

Um leitor eficiente, por meio do raciocínio lógico, deve ser capaz de deduzir uma série de informações que não estão claramente expressas, preenchendo lacunas com ajuda das pistas deixadas pelo autor. Graças a essa possibilidade, a comunicação é mais eficiente e rápida: se tivéssemos de dar o passo-a-passo de todas as construções frasais, demoraríamos muito para transmitir simples mensagens. Veja o exemplo a seguir:

Titia se orgulha de ter voltado para casa ontem.

Se o leitor não fosse capaz de fazer inferências a partir dos elementos linguísticos contidos nessa frase, eu primeiro teria de dizer:

  1. Tenho uma tia.
  2. Minha tia não estava em casa até ontem.
  3. Minha tia voltou para casa ontem.
  4. Na opinião de minha tia, voltar para casa é algo bom.

    E daí, sim:

  5. PORTANTO, Titia se orgulha de ter voltado para casa ontem.

Toda inferência feita a partir de determinados elementos linguísticos da frase pode ser chamada de pressuposto. No exemplo que acabamos de ver, a, b, c e d são pressupostos de e. Assim, pressupostos são o conjunto de condições que têm de ser satisfeitas para que uma frase seja considerada verdadeira. Se não tenho uma tia, por exemplo, não pode ser verdadeira a informação veiculada por “Titia se orgulha de ter voltado para casa ontem”.

No entanto, esse tipo de inferência envolve ainda outro fator importante: como os pressupostos estão diretamente ligados a pistas linguísticas na frase, não há como o autor negar tê-los afirmado; as marcas na frase são evidentes. Assim, um autor jamais pode afirmar “não foi isso o que eu quis dizer” quando tiver veiculado um pressuposto.

Caso famoso em que o emissor tentou voltar atrás, mas sem sucesso, foi quando Mario Amato proferiu a seguinte frase a respeito da então ministra Dorothéa Werneck: “Ela é inteligente, apesar de ser mulher”.

Pronunciando-se dessa forma, o empresário permite que o(s) receptor(es) da mensagem perceba(m) alguns pontos de sua visão de mundo:

Obviamente, a última dessas afirmações, pressuposta no enunciado de Mario Amato, foi muito criticada. Como essa inferência é condicionada por um elemento linguístico (no caso, o conectivo apesar de, que serve para ligar ideias pretensamente opostas), o empresário não pôde desdizer-se. Negar o pressuposto, dizendo que, para ele, as mulheres são inteligentes, contradiria sua frase original e atestaria incoerência discursiva.

Aliás, o pressuposto é um veículo tão forte de informações que, em alguns casos, nem mesmo a transformação da frase original em uma negação ou uma interrogação anula a inferência. Na frase “O Brasil se tornou um país justo”, por exemplo, identifica-se como pressuposto que a nação era antes injusta.

Caso quem disse a frase tivesse sido rechaçado por seu pressuposto, não poderia sequer tentar negar ou pôr em questão a frase original, pois o pressuposto se manteria. Veja:

O Brasil não se tornou um país justo.

O Brasil se tornou um país justo?

Em ambos os casos, a injustiça pretérita é dada como pressuposto inquestionável. Se o Brasil não se tornou um país justo, continua injusto. Se há dúvidas quanto a ter se tornado justo, não há dúvidas – explícitas ou implícitas na frase – da injustiça no passado.

2.5.2. Subentendidos

Além das informações implícitas que percebemos a partir das pistas deixadas pelo emissor, há aquelas que só recuperamos por conta do contexto ou de nosso conhecimento de mundo. Nesse caso, nada na frase pode revelar a intencionalidade do autor, mas a inferimos com base no que a situação sugere. Veja o exemplo a seguir:

Conheço muito bem os políticos brasileiros de hoje.

Não há elementos linguísticos nesse período que sugiram outra interpretação, além do fato de os políticos serem conhecidos pelo emissor. No entanto, com base no contexto nacional contemporâneo e no que talvez saibamos sobre as opiniões políticas de quem disse a frase, podemos recuperar uma informação implícita: o caráter corrupto dos políticos brasileiros.

Tal informação inferida a partir de elementos externos à frase é chamada de subentendido ou implicatura. Diferente do pressuposto, essa modalidade de inferência é de inteira responsabilidade do leitor, pois o autor não se compromete por meio de pistas na frase. Assim, quem disse “conheço muito bem os políticos de hoje” pode facilmente defender-se daqueles que se oponham à sua frase. Afinal, não há nada no enunciado que comprove a inferência sobre a corrupção. No caso do subentendido, pode-se até dizer: “Mas eu não falei isso! Vocês é que interpretaram mal a minha frase...”

Para ler com eficiência e perceber a coerência das ideias de um texto, fique atento às informações implícitas. Aliás, elas são de extrema importância mesmo na comunicação oral cotidiana, em que precisamos o tempo todo recuperar o que está por trás da fala do outro.

Pensando nisso, vamos exercitar um pouco essas questões.


Atividade 4

Você acabou de estudar a importância de reconhecer informações implícitas no texto, fator essencial para a construção da coerência. A seguir, você encontrará algumas questões que indagam sobre possíveis inferências a partir do texto “Calotas polares: memória gelada da Terra”. Leia-o e responda a estas perguntas:

  1. Antes do experimento de que fala o texto, havia qualquer compreensão acerca das mudanças climáticas? Justifique sua resposta com informações implícitas inferíveis a partir da seguinte passagem: “Groenlândia revela inesperada queda de temperatura no passado e fornece pistas para se compreenderem melhor as oscilações do clima no presente”.

  2. Que temperatura a autora do texto espera do verão na Groenlândia? Justifique sua resposta com elementos do texto que respaldem esse  pressuposto.

  3. O que o texto permite inferir no que diz respeito à quantidade de países que há na Europa? Justifique sua resposta.

  4. Identifique 2 pressupostos no trecho “Na barra de gelo colhida pelo GRIP — a mais antiga já extraída integralmente das calotas polares — estava codificada uma informação surpreendente e inexplicável”. Justifique sua resposta.

  5. Segundo a autora do texto, houve outros períodos interglaciais, além do mencionado? Justifique sua resposta.

Texto VI

Calotas polares: memória gelada da Terra

Groenlândia revela inesperada queda de temperatura no passado e fornece pistas para se compreenderem melhor as oscilações do clima no presente.

Gisela Heymann

O cenário é uma imensa planície branca, fria e estéril, onde só se ouve o vento e a nevasca. Situada na Groenlândia, no extremo norte do planeta, onde é inviável qualquer manifestação de vida, sua temperatura, mesmo no verão, fica muito abaixo de zero, entre 10°C e 35°C negativos. No inverno, chega a -65°C. Em 12 de julho de 1992, porém, a monotonia da paisagem foi quebrada por uma melodia, entoada por nada menos que quarenta pesquisadores dinamarqueses, franceses, suíços, alemães, italianos, belgas, islandeses e ingleses. Abrigados numa grande tenda em forma de iglu, eles dançavam e riam, indiferentes ao frio e à solidão.

E tinham bom motivo para isso: depois de três verões de trabalho, estavam comemorando a retirada final de uma barra de gelo de nada menos que 3 029 metros de comprimento e 10 centímetros de diâmetro. Frágil como uma pilha de porcelana, a barra estende-se desde a superfície até as profundas rochas que o gelo recobre, e tem o valor de uma fantástica biblioteca — criada muito antes de o primeiro homem ter imprimido suas pegadas no planeta. Ela representa uma verdadeira “memória da Terra”, como diz o glaciologista Claude Lorius, presidente do Instituto Polar Francês e membro do projeto GRIP (Greenland Ice-core Project), que reúne oito países europeus.

As calotas polares tornam-se um gigantesco banco de dados porque se formam gradualmente, quando sucessivas camadas de neve se depositam sobre as mais antigas e não derretem nunca. Portanto, como os cristais de gelo guardam resíduos do ar, dão um testemunho fiel dos mais variados acontecimentos do passado remoto — sejam possíveis eras glaciais, erupções vulcânicas, incêndios de floresta, densidade da radiação cósmica, variações de temperatura e efeito estufa. Na barra de gelo colhida pelo GRIP — a mais antiga já extraída integralmente das calotas polares — estava codificada uma informação surpreendente e inexplicável.

Ela diz respeito a um período interglacial de nome Eemian, que se estendeu de 110 000 a 140 000 anos atrás. Nessa época, por estar entre duas eras de frio extremo, a Terra gozava de clima ameno, tão clemente quanto o atual. Mas as coisas não aconteceram exatamente sempre dessa forma, como mostra a barra de gelo: embora tenha sido bom, de maneira geral, o tempo sofreu diversos sobressaltos misteriosos, com variações bruscas de temperatura. Há 115 000 anos, por exemplo, a bonança climática foi abatida por um rigoroso resfriamento que se prolongou por quase setenta anos, no hemisfério norte.

(...)

Confira as suas respostas

2.6. Progressão temática

Quando redigimos um texto, devemos ter em mente que as informações devem ser apresentadas em uma sequência lógica, em que cada elemento novo se relacione com o anterior. A maneira de ligar essas informações você já aprendeu na aula sobre coesão (unidade 3). Agora, vai estudar de que forma elas vão avançando e se sucedendo, a fim de construírem uma mensagem coerente.

Chamamos de progressão temática a forma como as informações “velhas” (também chamadas de tema) e “novas” (também chamadas de rema) são organizadas em um texto, levando em consideração o objetivo do autor e o que ele pressupõe que seja “velho” ou “novo” para o leitor. Geralmente, o que já foi dito anteriormente no texto ou o que autor pressupõe ser sabido pelo leitor é uma informação velha. O que o autor acha que vai comunicar pela primeira vez ao leitor é uma informação nova.

Para isso ficar mais claro, leia a notícia abaixo.

Texto VII

Jovem de 22 anos morre depois de cirurgia em clínica de estética

Patrícia Kappen

Uma jovem de 22 anos morreu depois de fazer um procedimento chamado hidrolipo (tipo de lipoaspiração) em uma clínica de estética em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. O local foi interditado nesta quinta-feira (12) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

A jovem morreu na quarta (11). A Anvisa e a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense foram chamadas até a clínica onde foi realizada a cirurgia depois de receberem a denúncia da morte feita pela família da vítima.

Segundo o delegado Ricardo Barbosa, da DH Baixada, Natália Anne de Souza passou mal depois da operação e foi transferida para uma outra clínica, onde ficou na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e morreu. A causa da morte só será conhecida após o laudo do Instituto Médico-Legal.

A clínica foi interditada depois que a Anvisa constatou que no local havia medicamento sem validade, e material sem a esterilização devida. A clínica também não tinha autorização para fazer o tipo de procedimento que fez em Natália, bem como o médico que realizou a cirurgia - ele será intimado a apresentar documentação. 

(...)

Nessa notícia, a morte da jovem e os demais acontecimentos decorrentes de tal fato são narrados de forma coerente, mesmo que a sequência temporal seguida não seja linear, como se percebe nas menções ao mal-estar e à transferência posteriores à referência ao óbito. Parte da coerência desse relato é garantida pela progressão temática, pois a intercalação de informações novas e velhas permite que o leitor passe de uma frase à outra sem se perder no fluxo do texto, a despeito de sua ordenação cronológica não muito linear.

No que diz respeito a essa cadeia de informações novas e velhas que se intercalam, podemos iniciar nossa análise logo a partir do título, cujas informações o autor imagina serem desconhecidas para o leitor. Uma vez apresentadas, porém, tornam-se velhas, isto é, já conhecidas, e podem servir de gancho para a introdução de outros dados novos.

Assim, no início do primeiro parágrafo, a mesma informação do título é repetida, acrescentando-se a ela alguns dados novos: o nome da cirurgia e o local onde foi realizada. Por sua vez, assim que expostas ao leitor, tais informações tornam-se velhas também, devendo servir, no próximo período, como elemento de transição para outro dado novo. Desse modo, na segunda frase do primeiro parágrafo, o termo “local” retoma a informação (inicialmente nova, agora velha) “clínica de estética em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense”, à qual se acrescenta mais um fato: sua interdição no dia 12 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

O segundo parágrafo também começa ancorado no anterior, na medida em que a informação que lhe dá início (a morte da jovem) é velha, pois fora mencionada anteriormente. A esse dado, acrescenta-se, entretanto, algo até então desconhecido para o leitor: a data do óbito. O mesmo processo, intercalando dados desconhecidos e já conhecidos pelo leitor, repete-se até o final do texto. Para ficar mais fácil você acompanhá-lo, sublinhamos as informações velhas que conectam as frases e auxiliam os conectivos (já estudados na unidade 3 deste curso, sobre coesão).

Além disso, note que, geralmente, as frases apresentam primeiro o tema e depois o rema. Assim, o rema de uma frase, ao ser repetido na seguinte, passa a funcionar como tema, encabeçando o período que se sucede, em que se introduz novo rema. Esse processo de transformação de informação nova em velha permite que o texto, ao mesmo tempo em que avança, estabeleça conexões com o que já foi mencionado.

Quanto a isso, Michel Charolles postulou mais duas regras para a coerência textual: a regra da repetição e a regra da progressão: esta diz que um texto, para ser coerente, deve retomar, constantemente, informações que já apresentou; aquela determina que, além de repetir, o texto tem de avançar em sua exposição, trazendo dados novos. Trata-se, pois, do que vimos na notícia “Jovem de 22 anos morre depois de cirurgia em clínica de estética”: a necessidade do equilíbrio e da intercalação entre tema e rema para a boa formação do texto.

É também muito importante considerarmos não só a disposição dos dados novos e velhos, mas sua dosagem, afinal o tema possui baixa informatividade, enquanto o rema é muito informativo. Um texto pouco informativo desmotiva o leitor, que não se sente estimulado a interagir com um objeto que não lhe traz nada de novo. Por outro lado, o texto excessivamente informativo pode tornar-se incompreensível, pois nessa situação podemos não conseguir relacionar as informações novas ao solo de conhecimentos de que já dispúnhamos, e assim criar os necessários elos para uma aprendizagem significativa. Para que isso fique mais claro, atente para os exemplos abaixo, retirados de Koch e Travaglia (2008, p. 86).

Exemplos:

  1. O oceano é água.
  2. O oceano é água. Mas ele se compõe, na verdade, de uma solução de gases e sais.
  3. O oceano não é água. Na verdade, ele é composto de uma solução de gases e sais.

A primeira frase deve ser evitada em um texto, pois seu conteúdo é óbvio e nada acrescenta ao leitor, que se perguntará qual a intenção do autor ao escrever algo formado apenas por informações por ele já conhecidas. Por outro lado, mesmo que esteja correta, a terceira construção causará dúvidas no leitor, visto que provavelmente não há nela nenhuma informação por ele conhecida para situá-lo quanto ao enunciado. Ambas as frases em (c) veiculam ideias absolutamente novas, o que prejudica a compreensão; se não conhecemos boas referências do autor, podemos até achar que se enganou enquanto escrevia.

Na hora de escrever, a melhor opção seria (b), pois há um equilíbrio entre informação “velha” (oceano formado por água) e nova (oceano formado por gases e sais). Sempre que tiver de redigir algo, tenha em mente a importância de balancear trechos com alta e baixa informatividade, para que a leitura possa fluir com facilidade.

Vamos praticar, então?


Atividade 5

Como você acabou de ver, para que o leitor possa interpretar adequadamente um texto, construindo junto com o autor sua coerência, é preciso que as informações sejam cuidadosamente costuradas. Assim, informações velhas e novas devem ser alternadas, de modo que o leitor possa sempre relacionar o que lhe é apresentado com seu conhecimento prévio.

Com base nisso, leia atentamente o texto a seguir e sublinhe as passagens que o autor tratou como informação velha, já mencionada anteriormente no texto.

Texto VIII

Exploração de petróleo no pré-sal traz dilemas na era da crise climática

Luciana Christante, da ‘Unesp Ciência’

(…)

Nas décadas de 1970 e 1980, era comum ouvir que o petróleo do mundo iria se esgotar por volta do ano 2000. O Pró-Álcool, por exemplo, que hoje coloca o país em posição de destaque na corrida mundial por biocombustíveis, foi fortemente motivado por essa premissa, hoje aparentemente equivocada. Quase dez anos depois do que seria o triste fim dos combustíveis fósseis, o “ouro negro” tem aparecido em toda parte. A descoberta de imensas reservas de óleo e gás na Bacia de Santos (litoral paulista), em profundidades que variam entre 4 e 7 quilômetros abaixo da superfície da água, o chamado pré-sal, é um exemplo disso.

E o Brasil não está sozinho. Para provável desencanto dos que acompanham as discussões sobre aquecimento global e mudanças climáticas, pelo menos 200 novos campos foram descobertos só neste ano em diversos países, vários deles de grande porte e em águas profundas.

Quem apostava no esgotamento das reservas de petróleo não contava com os avanços tecnológicos que viriam nas décadas seguintes. Naquela época, só mesmo quem tinha intimidade com o passado remoto da Terra poderia suspeitar de grandes quantidades de hidrocarbonetos (petróleo e gás) presas em rochas muito abaixo do leito marinho, à espera de meios adequados para sua detecção e extração. Eram os geólogos e geofísicos das companhias petrolíferas, que, por razões óbvias, trabalhavam sob estrito sigilo. Agora, suas previsões estão se confirmando.

Confira as suas respostas

Conclusão

Esperamos que, nesta aula, você tenha aprendido um pouco mais sobre o fenômeno da coesão textual, bem como algumas técnicas para assegurar essa qualidade aos seus textos. Além disso, vimos aqui também algumas estratégias que você deve empregar quando ouve ou lê algo produzido por outra pessoa, percebendo informações implícitas e a forma como o autor estruturou sua mensagem. Isso permitirá interpretações mais coerentes e sólidas, além de uma comunicação mais eficiente.


Resumo

Nesta aula, você aprendeu que a coerência textual é o que garante interpretabilidade de um texto, permitindo que ele faça sentido e possa, pois, ser interpretado. Esse processo é realizado de forma cooperativa entre autor e leitor: aquele selecionando e organizando as informações de forma adequada; este comparando o que lê a seu conhecimento de mundo e ao contexto. Além disso, ambos têm de perceber que a coerência é um fenômeno contextual: o que é incoerente em uma situação ganha interpretabilidade em outra.

Conforme vimos, os principais fatores que garantem a coerência textual são a seleção de palavras, o conhecimento de mundo, a intencionalidade discursiva, a consistência, as informações implícitas e a progressão temática. Esses elementos, quando bem empregados, permitem que a mensagem seja comunicada com eficácia, o que requer um pouco de treinamento. Ademais, você conheceu também nesta aula as regras da coerência postuladas por Michel Charolles: relação, não-contradição, progressão e repetição. Esses princípios retomam a maioria dos elementos formadores da coerência vistos até aqui, podendo servir como um guia breve para a redação de textos bem formados.


Informações sobre a próxima aula

Na próxima unidade, você vai estudar de forma mais aprofundada um tópico visto na aula 1: a argumentação. Esse modo textual é extremamente importante na sua vida, não só acadêmica e profissional, mas também na comunicação cotidiana. Afinal, estamos a todo o tempo tentando convencer alguém, não é?


Referências bibliográficas

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