MÓDULO 3
ADVENTO DOS PLANOS DIRETORES AGACHE E DOXIADIS: AS ORIGENS DO PLANEJAMENTO STRICTO SENSU

3. O planejamento sob o signo do autoritarismo

Nos diferentes períodos de regime de exceção, os governos autoritários implementaram inúmeros planos tecnocráticos que Villaça preferiu definir como superplanos. As características principais desses planos eram:

  1. ausência de debate público sobre a natureza política dos planos;
  2. o conteúdo conflituoso de suas propostas, que não consultavam as diferentes esferas de gestão pública (municipal, estadual e federal);
  3. o excessivo número de recomendações que se inspiraram em modelos importados e não na realidade local.

Constituíram exemplos/casos típicos desta modalidade de planejamento: “plano Doxiadis, PUB-São Paulo, os planos para a Região Metropolitana de Porto Alegre e mesmo o pioneiro deles, o Agache” (Villaça, 1999, p. 214). Para este autor, “o Plano Doxiadis inaugura a fase dos superplanos, que atingiria seu auge durante os anos de atuação do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau), criado nos primeiros meses do regime militar pela mesma Lei que criou o BNH” (1999, p. 215).

Para Gouvêa, até 1964 as experiências anteriores de planejamento no Brasil (como o planejamento das cidades de Belo Horizonte, Goiânia) foram quase totalmente negligenciadas e consideradas realizações “episódicas”; até mesmo o projeto de Brasília. De 1965 a 1971, em pleno período autoritário, a idéia de plano diretor passou a ser considerada obsoleta e ultrapassada; a idéia de planejamento integrado se constituiu em nova nomenclatura, que representou a ruptura do pacto social estabelecido entre os setores vinculados ao regime autoritário e o populista (Gouvêa, 2005, p. 42). Segundo Abreu,

o autoritarismo que caracteriza o período pós-golpe militar terá, nesse processo de retomada de uma tendência anterior, um papel fundamental. Não mais dependente do julgamento popular via eleições livres, o Estado intensifica sobremaneira a sua ação discriminatória sobre o espaço, privilegiando claramente as áreas mais ricas da cidade, especialmente o Centro e a Zona Sul. Os investimentos públicos adquirem, inclusive, um caráter gigantesco, exemplificado pelo alargamento da Praia de Copacabana, construção do elevado sobre a Av. Paulo de Frontin, construção da Ponte Rio-Niterói, continuação da Avenida Perimetral, construção do interceptor oceânico da Zona Sul e, obra máxima, a construção do metrô (Abreu, 1988, p. 145).

A idéia de planejamento integrado não fomentou diretrizes capazes de nortear as ações do governo em suas diferentes escalas, no sentido de “desenvolver e sistematizar políticas de planejamento físico-territorial” (Gouvêa, 2005, p. 42). O planejamento integrado, longe de ter alcançado os objetivos de integração, não foi muito além do discurso, pois a excessiva força centralizadora do Governo Federal constituiu-se no principal obstáculo para sua implementação (Gouvêa, 2005, p. 43).

No inicio dos anos 1970, houve relativa proliferação de planos diretores de desenvolvimento integrado (PDDI) nos municípios (São Paulo, Rio de Janeiro etc.); esses planos eram meros instrumentos jurídicos de legitimação dos governos, que não dispunham sequer de diagnósticos técnicos capazes de garantir a eficácia de suas ações. Durante o regime militar no Brasil, as políticas do nacional-desenvolvimentismo contribuíram para o grande crescimento da escala do planejamento territorial (PNDU e II PND, em 1973).

Nos anos seguintes, constatou-se que o PDDI havia se tornado obsoleto, os planos perderam sua complexidade técnica e intelectual e passaram a ser simples, elaborados por técnicos municipais, “quase sem mapas, sem diagnósticos técnicos” (Villaça, 1999, p. 221). Flávio Villaça chamou de “plano sem mapa” esses planos que apresentavam “apenas objetivos, políticas e diretrizes”.