Na segunda fase do planejamento urbano no Brasil, de 1930 a 1990, o discurso das intervenções urbanas, característico desse período, foi “marcado pela ideologia do planejamento enquanto técnica de base científica, indispensável para a solução dos chamados problemas urbanos" (Villaça, 1999, p. 182).
Para o mesmo autor (1999, p. 204), essa fase foi subdividida em três subperíodos:
A partir da década de 1930, durante o período de vigência do ciclo de acumulação baseado na substituição restringida de exportações (Pires, 1996, p. 76), a hegemonia da burguesia urbano-industrial erodiu a antiga hegemonia da aristocracia rural, e as intervenções urbanas passaram a estar orientadas para criar cidades mais eficientes (Resende, 1982, p. 42) – e não apenas belas, como antes pregava o ideário do urbanismo voltado para o melhoramento e o embelezamento das cidades. Os formuladores dessa nova modalidade de planejamento, chamado plano diretor, acreditavam que as cidades deveriam voltar-se não apenas para o consumo; deveriam ser mais funcionais e também voltadas para a produção e a reprodução do capital. Na década de 30, o Plano Agache, no Rio de Janeiro, foi emblemático como proposta modernista de organização do espaço público para época. Nós trataremos dele mais à frente.
Nesse sentido, eram efetuadas, nas cidade, grandes obras de infra-estrutura, que consumiam milhões de dólares. Contra essas obras, emergiu uma mobilização popular que deu início aos primeiros movimentos sociais urbanos.
Com o surgimento dessa modalidade de planejamento, a que Villaça deu o nome de planejamento stricto sensu, as elites urbanas passaram a discutir suas propostas urbanas a partir de um discurso de planejamento, que se colocava para as demais classes sociais como “benéfico” e “competente”, que superaria o caos produzido pelo crescimento urbano descontrolado.
Nas décadas de 1930 a 1950 – na ditadura ou na democracia –, a classe dominante brasileira ainda tinha condições de liderança na esfera urbana para executar, sem grandes percalços, algumas obras de seu interesse e integrantes de planos antigos. Eram fundamentalmente obras que atendiam às partes da cidade que a ela interessavam, como a remodelação do centro, principalmente pela remodelação de seu sistema viário.
Aquelas décadas foram férteis em obras de remodelação urbana, como as de Prestes Maia, as de Alberto Bins, em Porto Alegre, as incessantes remodelações do Rio de Janeiro – Castelo, Aeroporto Santos Dumont, Avenida Brasil – e a execução do plano de Ulhoa Cintra em Recife. Entretanto, os planos não eram repostos na proporção em que eram consumidos. Estudos foram feitos, mas não saíram dos gabinetes municipais nem foram publicamente assumidos pelos governantes. Pouco ou nada foi apresentado à sociedade como proposta urbana da classe dominante e assumida pelas administrações municipais, como haviam sido os planos (com esse nome ou não) de Agache e Prestes Maia (Villaça, 1999, p. 210).
Os primeiros planos diretores elaborados dentro dessa perspectiva teórica foram os seguintes:
O Plano Agache foi a maior realização do Prefeito Antônio Prado Junior (1926-1930); representou a “tentativa das classes dominantes da República Velha de controlar o desenvolvimento da forma urbana carioca, já por demais contraditória” (Abreu, 1997, p. 86). O arquiteto francês Alfred Agache fez várias conferências sobre urbanismo, em Belo Horizonte, Recife e São Paulo, procurando demonstrar como seria o plano de embelezamento do Distrito Federal (Stuckenbruck, 1996, p. 99).
As intervenções urbanas do Plano Agache voltavam-se preferencialmente para as regiões do Centro e os bairros da Zona Sul: Ipanema, Leblon, Gávea (Stuckenbruck, 1996, p. 99), em detrimento dos subúrbios e da Zona Norte. O objetivo era "ordenar e melhorar a cidade segundo critérios funcionais de estratificação social do espaço" (Abreu, 1997, p. 86).
O Plano Agache tinha como meta implementar a segregação e apartação social, na medida em que previa habitações para as classes mais abastadas e médias e para a classe operária do Rio de Janeiro. A idéia era erradicar as favelas, que eram vistas como uma ameaça constante para a ordem urbana; isso se daria pela construção de habitações populares subvencionadas pelo Estado, pela remodelação física da cidade e pelo saneamento básico (Abreu, 1997, p. 89; Resende, 1982, p. 43).
Cf. In: http://www.urbanismobr.org/bd/documentos.php?id=2694
Plano Agache – Plano de remodelação, extensão e embelezamento
AGACHE, Alfred Hubert Donat
Plano urbanístico - 1930 - Rio de Janeiro-DF
Biblioteca: Secretaria Municipal de Urbanismo da Cidade do Rio de Janeiro (SMU).
Editora: Foyer Brézilien
Volume: I
Paginas: 426
Cidade objeto: Rio de Janeiro-DF
Alfred Hubert Donat Agache, arquiteto francês, elaborou, junto com um grupo de técnicos estrangeiros, o primeiro plano diretor para a cidade, durante o período de 1927 a 1930. A cidade, então Distrito Federal, capital da República, foi abordada de forma global, embora as atenções maiores fiquem com a área central. Voltava-se especialmente para aspectos ligados à estética e ao saneamento, denominando-se um plano de remodelação, extensão e embelezamento.
Não se propunha a ser um plano de desenvolvimento, mas somente um plano físico territorial. Para tanto, é interessante observar de que forma o autor conceitua o urbanismo: "é uma ciência, e uma arte e sobretudo uma filosofia social. Entende-se por urbanismo o conjunto de regras aplicadas ao melhoramento das edificações, do arruamento, da circulação e do descongestionamento das artérias públicas. É a remodelação, a extensão e o embelezamento de uma cidade levados a efeito mediante um estudo metódico da geografia humana e da topografia urbana sem descurar as soluções financeiras".
O plano apresenta a comparação da aglomeração urbana a um organismo vivo: "nenhuma imagem poderia representar melhor a constituição e a vida das cidades. Essas nascem, crescem, vivem e como os seres animais, enfraquecem e morrem". É necessário, portanto, segundo o autor, que seus órgãos estejam em estado de exercer as funções que lhes são próprias. Enfoca as três funções: circulação, digestão e respiração.
A estética merece destaque especial. A ênfase dada ao embelezamento é observada em vários capítulos. O Plano Agache é um típico plano diretor, ao produzir um retrato das condições futuras da cidade e o compara com a cidade ideal que será obtida através de suas proposições.
Vários objetivos se encontram expressos no plano. É evidenciada sua intenção de ordenamento da cidade, usando para isso especialmente o zoneamento (zoning) e a legislação urbanística.
O plano apresenta, para a cidade do Rio de Janeiro, duas funções que considera primordiais: função político-administrativa, como capital, e função econômica, como porto e mercado comercial e industrial.
A metodologia usada na elaboração é a dos planos diretores. A situação da cidade é analisada, são identificados problemas e detectadas defasagens em relação a um modelo de cidade proposto pelo autor do plano; então são feitas proposições a respeito de como tal modelo pode ser atingido.
O plano é dividido em três partes: componentes antropogeográficos do Distrito Federal; Rio de Janeiro maior e os grandes problemas sanitários. Em anexo ao plano são apresentados projetos de legislação, com o objetivo de regulamentar as proposições do autor.
A segunda parte trata da essência do plano, o modelo de cidade ideal e proposições para atingi-la. A terceira parte do plano é dedicada ao saneamento.
O principal instrumento de intervenção adotado é o zoneamento, muito utilizado à época. Segundo o autor, constitui uma tentativa de impor ordem às cidades, visando evitar o caos que se estabeleceria caso o crescimento das cidades fosse deixado à livre iniciativa.
É idéia geral do plano que a grande cidade necessita de várias tipologias habitacionais; o zoneamento, a construção de habitações populares e uma política territorial bem conduzida ajudarão a resolver os problemas habitacionais.
Para Agache, a favela é uma escolha. A solução é a construção de habitações a preços baixos ou totalmente subvencionadas pelo Estado.
O Plano Agache dá importância ao tema saneamento, que constitui um terço do seu volume. Ao contrário do tema habitação, em que o plano o aborda a distância, o saneamento é encarado de forma técnica e com a profundidade necessária.
Apresenta um enfoque global da cidade para os assuntos ligados a saneamento básico, água, esgoto e drenagem. Não determina áreas onde deveriam acontecer prioritariamente as obras de saneamento; portanto, não discrimina ou privilegia partes do espaço urbano.
O plano aborda o sistema viário da mesma forma que o saneamento básico: com o objetivo de aumentar sua eficiência. Aqui, no entanto, outro fator é levado em conta, já que algumas das soluções propostas atendem, também, aos objetivos de ordem estética. São então, na medida do possível, aliados os valores de funcionalidade e embelezamento.
As proposições do plano, ainda que tenham por objetivo solucionar a cidade em geral, tornam-se mais detalhadas quando abordam a área central da cidade.
No plano, o sistema viário é tratado como a ossatura do plano diretor. Dentro de uma visão orgânica da cidade, constitui uma das funções principais: a circulação. Os conjuntos de vias conectam os elementos funcionais, os bairros e as zonas de usos diversos.
O sistema de transporte é visto pelo autor como um sistema integrado, e sua reformulação é explicada pela necessidade de suprimir a maior parte dos bondes, que saturam as ruas, de encontrar artérias principais, que entrem até o centro da cidade, de criação de vias de comunicação entre bairros e de construção de uma rede de metropolitano.
Dentro do plano, o sistema ferroviário desempenha papel importante, servindo especialmente à Zona Industrial e aos subúrbios. É proposta uma reorganização do sistema, aliviando alguns trechos pela construção de outros. A navegação rápida na baía, por meio de lanchas e a utilização de hidroplanos, é também proposta com o objetivo de ligar a cidade do Rio de Janeiro a Niterói.
ABREU, Maurício. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto de Planejamento Municipal, 1987.
AGACHE, Alfred. Cidade do Rio de Janeiro, remodelação, extensão e embelezamento (Plano Agache). Rio de Janeiro: Foyer Brésilien, 1930.
PEREIRA, Margareth da Silva. Pensar a metrópole moderna - os planos de Agache e Le Corbusier. 1944 (mimeo).
PITANGA, Antônio F. de. O plagio do urbanismo do Sr. Agache. In: Revista da Semana, Rio de Janeiro, 1928.
REVISTA Municipal de Engenharia. Plano de remodelação, extensão e embelezamento da cidade do Rio de Janeiro. 1933/1935.
REZENDE, Vera. Planejamento e ideologia: quatro planos para a Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
Implementado 37 anos após a realização do Plano Agache, o Plano Doxiadis foi elaborado na administração Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara de 1960 a 1965. O Plano Doxiadis foi resultado de uma parceria constituída entre a Comissão Executiva de Desenvolvimento Urbano do Estado da Guanabara e a empresa Doxiadis Associates, com o objetivo de elaborar o plano e programas de desenvolvimento urbano da Guanabara (Resende, 1982, p. 54).
Cf. In: http://www.urbanismobr.org/bd/documentos.php?id=2765
Plano Doxiadis - Guanabara, a plan for urban development – Document - Dox-BRA
DRIENDL, Tomas Georg
PLANO URBANÍSTICO - 1965 - Rio de Janeiro - Guanabara
Biblioteca: Secretaria Municipal de Urbanismo da Cidade do Rio de Janeiro (SMU)
Editora: Estado da Guanabara
Volume: I
Cidade-objeto: Rio de Janeiro - Guanabara
Trata-se de plano elaborado por solicitação do Governo do Estado da Guanabara (governador Carlos Lacerda) para a cidade do Rio de Janeiro/Estado da Guanabara, cujo objetivo é prepará-la para o ano 2000.
O segundo plano diretor para a cidade, à época Estado da Guanabara, foi entregue em 1965, de autoria do escritório grego Doxiadis Associates. Denomina-se um plano de desenvolvimento, enfocando todos os problemas da cidade, fazendo uso da teoria eqüística, desenvolvida pelo autor, e de técnicas para projeções e análise de transportes. Em sua abordagem da cidade, já considera seu entorno, a Área Metropolitana.
Expressos no plano estão vários conceitos de Doxiadis, no que se refere a planejamento, e onde é possível identificar a preocupação com o econômico e o social, sendo consideradas confiáveis, no nível do plano, as intervenções físicas.
Doxiadis cria um centro de pesquisas sobre urbanismo em Atenas, onde desenvolve a sua teoria eqüística. Essa teoria, centrada nos grupamentos humanos, estuda "seus aspectos físicos, sociais, econômicos e demográficos, ou seja, o habitat natural dos grupamentos, suas populações, nível econômico, estrutura social e comercial, padrões de uso da terra, distribuição de edifícios de uso comum e instalações, rede de transportes e de serviços de utilidade pública".
Segundo o plano, o objetivo do planejamento físico é a criação de comunidades que funcionem na escala humana e se aglutinem para alcançar as condições de desenvolvimento mais favoráveis. A finalidade é criar grupamentos humanos aglutinados e bairros dotados de suas próprias finalidades básicas. Pontos de reunião, lojas, instalações públicas, tudo deve ser hierarquicamente projetado para os diferentes tamanhos de comunidades interdependentes. Uma hierarquia de funções deve ser definida, de modo que as cidades sejam planejadas de maneira racional, da menor à maior das comunidades.
Como conseqüência, ao estudar o Estado da Guanabara em macro, meso e microescala, o plano abre um elenco de alternativas (análise e diagnóstico), considerando fatores econômicos e sociais. Suas proposições configuram, contudo, um plano físico territorial.
O plano justifica ao afirmar que alguns dos problemas de desenvolvimento econômico do Estado da Guanabara podem ser devidos a uma obsolescência relativa ou parcial de sua estrutura física, já que nenhum plano global foi executado na tentativa de preparar o terreno para expansão futura.
São visadas duas finalidades principais: primeiro, criar a necessária infra-estrutura física, que possibilite o desenvolvimento do estado; segundo, resolver problemas urgentes dentro do atual tecido urbano sem violentar indevidamente a qualidade, a beleza, o encanto e o caráter da cidade.
A metodologia usada pelo Plano Doxiadis segue a metodologia típica dos planos diretores, de forma mais elaborada. O plano contém uma análise das condições da cidade; segundo a teoria eqüística, examina os problemas mais graves que impedem o desenvolvimento urbano e sua expansão, define políticas, estima necessidades em função de projeções feitas para o ano 2000, definindo programas e projetos.
Trata-se de comparar a cidade com um modelo ideal, neste caso estruturado em comunidades integradas hierarquicamente, e em seguida definir os meios de chegar até esse modelo predefinido. O recurso novo é o uso de projeções de sofisticadas variáveis socioeconômicas e técnicas para a análise do sistema viário.
Na Introdução, é apresentado o plano, sob o aspecto organizacional e metodológico. Sob o título Condições Eqüísticas, a cidade é estudada nos seus aspectos histórico, geográfico e econômico.
A seguir são identificados os Problemas que se apresentam diante da análise das condições eqüísticas, ou melhor, do modelo proposto. Sob o título Necessidades e Custos, é efetuada a estimativa das necessidades para o desenvolvimento adequado da cidade, sua projeção a longo prazo até o ano 2000.
São então considerados os planos, em que se apresenta uma orientação para o desenvolvimento físico do estado até o ano 2000. São mostradas as várias fases do crescimento previsto da população, seu uso do espaço, ou seja, o plano diretor. A seguir, são apresentados os programas qüinqüenais para o período de 35 anos até o ano 2000, que deveriam ser revistos a cada cinco anos.
Finalmente, no capítulo destinado à implementação, são estudados os recursos de ordem administrativa, organizacional, legislativa e de pessoal necessários à execução do plano. Nesse capítulo é também proposta a criação de uma Secretaria de Desenvolvimento Urbano, responsável pela sua implementação.
A divisão da área de estudo em comunidades, descentralizando funções e hierarquizando-as, constitui o grande instrumento do plano. Dentro de uma hierarquia, são definidas desde comunidades classe I, com 10 a 15 famílias, até comunidades classe IX, megalópole, que é uma série de aglomerações urbanas abrangendo grandes áreas. Sua principal característica é sua grande extensão. Em termos de população, é da ordem de dezenas de milhões de pessoas.
O plano visa criar condições para que a Cidade do Rio de Janeiro possa atender a população prevista para o ano 2000, de 8,4 milhões de habitantes. Nesse ano, a área metropolitana deve ser uma conurbação semelhante a uma comunidade classe VIII. Essa comunidade é subdividida em seis comunidades classe VII, duas das quais dentro do Estado da Guanabara, uma a leste, outra a oeste. A população de cada uma delas é estimada em 2,5 a 4,5 milhões de habitantes, embora as duas comunidades internas aos limites do Estado da Guanabara devam se apresentar mais densas que as demais.
A questão habitacional é tratada, no plano, de maneira extremamente técnica. Um dos produtos é a quantificação das necessidades em termos habitacionais até o ano 2000 e o custo dessas necessidades para os grupos de mais baixa renda, que deverão ser objeto de atenção do poder público.
Como política para favelas, o plano propõe a reurbanização e reabilitação de algumas comunidades nos próprios locais que ocupavam à época, desde que não acarretasse incompatibilidades com os objetivos do plano.
O saneamento básico é abordado, tendo em vista a quantificação das necessidades até o ano 2000, relacionada à população estimada para aquele ano e seus respectivos custos. O Plano Doxiadis enfocava o tema saneamento básico de forma global, integrando a cidade em torno dele, sem privilegiar locais determinados. Ao estabelecer as necessidades de forma técnica e numérica, orientava-se pela população prevista para o ano limite sem definir prioridades.
A parte mais técnica é a relativa ao sistema viário. Aqui, além da forma como o plano aborda os demais temas, levando problemas e quantificando necessidades e custos, é elaborado um estudo de transporte com base em modelos matemáticos, objetivando a determinação do comportamento futuro do sistema.
Para o plano, a solução reside na rede de vias propostas, isto é, a malha hierarquizada, para a qual o Estado da Guanabara deve se adequar, da mesma forma que deve se adaptar ao modelo estrutural dividido em comunidades.
O sistema radial que converge para o centro é transformado num sistema xadrez, reticular, composto de artérias norte–sul e leste–oeste, que se propõem a afastar da área central um considerável volume de tráfego. Esse sistema está intimamente ligado às comunidades hierarquizadas, conectando-as, limitando-as ou constituindo ligações internas.
Em relação ao sistema ferroviário, o plano alerta para o fato de que o transporte ferroviário de carga, que é um dos melhores desempenhos de qualquer sistema ferroviário, aqui não é levado em consideração.
O plano propõe, ainda, quatro conexões sobre a Baía de Guanabara, ligando as comunidades do Estado da Guanabara com as do Estado do Rio; uma delas, a mais próxima da área central de negócios, deve se dar na forma de um túnel sob a baía.
ABREU, Maurício. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Instituto de Planejamento Municipal, 1987.
DOXIADIS. Guanabara, um plano para o desenvolvimento urbano (Plano Doxiadis), tradução CEPE 1, Secretaria de Governo, 1967. Vol. I, II, III.
DOXIADIS Associates, Consultants on Development and Ekistic. Guanabara Urban Development Plan, Rio de Janeiro: Cedug, 1965.
REZENDE, Vera. Planejamento e ideologia: quatro planos para a Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
A principal crítica ao Plano Doxiadis foi a de ser fruto de uma mentalidade colonialista desvinculada da realidade carioca, um plano elaborado por estrangeiros, com características nitidamente tecnicistas e racionalistas. Historicamente, o urbanismo brasileiro inspirou-se em idéias e planos importados. Mas houve forte resistência dos órgãos de classe dos profissionais ligados ao planejamento (Resende, 1982, p. 53) contra o contrato do governo estadual com o escritório grego de arquitetura. Segundo Vera Resende,
A escolha de um estrangeiro para a elaboração do plano de desenvolvimento demonstra o colonialismo traduzido na busca de modelos importados de cidade e, nesse caso, técnicas sofisticadas de trabalho. Dessa vez, contudo, ao contrário do Plano Agache, o modelo ideal não é o belo, mas o eficiente, para o qual o know-how brasileiro é considerado insuficiente.
O Plano Doxiadis é um plano altamente técnico. Trata-se de preparar a cidade do Rio de Janeiro até o ano 2000 segundo padrões estrangeiros. A racionalidade está presente no plano, diagnosticando crises e insuficiências e propondo soluções. Trata-se de um plano "racionalista ou compreensivo" pela ênfase nos dados e na análise, pressupondo uma atitude científica, não-ideológica, diante do espaço urbano. Obtém do objeto de estudo, no caso o Estado da Guanabara, grande número de dados e informações. Como conseqüência de seu alto nível técnico, transforma-se no mais completo volume de dados sob a forma de diagnóstico e projeções sobre a cidade, tanto que tem sido usado até hoje.
Constitui, também, um típico plano diretor, ainda que tenha usado na sua elaboração instrumentos sofisticados para análise e projeções. Como qualquer outro, examina a situação da cidade, faz projeções e a compara a um modelo ideal que, no seu caso, é funcional e definido em comunidades hierarquizadas, visando a descentralização de funções (idem, p. 54).
Ao comparar o Plano Agache com o Plano Doxiadis, observamos que não há muita diferença entre a política de segregação do primeiro e a estratificação social do segundo; porém, quanto aos aspectos técnicos de suas realizações, podemos afirmar que o segundo plano foi elaborado a partir de premissas mais “científicas e técnicas” do que ideológicas, pois fazia uso da “teoria de sistemas” e já utilizava a tecnologia de informação (computadores) para processar dados fora do Brasil (Resende, 1982, p. 51). Ao comentar essa mudança de rumo na elaboração dos planos diretores, Abreu acrescentou:
Era preciso, entretanto, que essa decisão fosse tomada formal e cientificamente. Assim, tal como na década de 1920, era necessário que a cidade viesse a ter um novo plano urbanístico, contratado agora à firma grega Doxiadis and Associates. No que toca ao processo de estratificação social do espaço carioca, o Plano Doxiadis pouco diferia do Plano Agache: pretendia "remodelar" a cidade a partir de uma série de obras que afetariam (como afetaram) principalmente as populações mais pobres. No que diz respeito ao momento em que ele é produzido (período autoritário), o plano assume entretanto significado maior. Com efeito, é a partir dessa época que a evolução da cidade retoma o seu curso original – baseado na separação das classes sociais no espaço –, um curso que havia sido apenas temporariamente sustado durante o período populista (Abreu, 1988, p. 145).
Como havíamos tratado no início deste curso, foi a partir da década de 1930 que surgiu a ideologia do planejamento urbano tal como a conhecemos hoje; ela passou a pregar a importância de procurar efetuar a integração entre os vários objetivos e as ações dos planos urbanos. Esse discurso tinha no Plano Diretor a base argumentativa de sua legitimação técnica, mas foi em meados dos anos 60 que o termo planejamento urbano foi substituído pela expressão planejamento urbano integrado ou gestão urbana tecnocrática.