Módulo 2
Intervenções urbanísticas e planejamento urbano: introdução à história do planejamento no Brasil

2. Urbanismo Sanitarista e Planos de melhoramentos e de Embelezamentos - 1875/1930

O início da primeira fase também chamada de “Belle Époque”, referente ao período de 1875-1906, foi caracterizado pela expansão de planos de melhoramentos e embelezamentos e por intervenções que tinham como apelo discursivo ou ideológico, o urbanismo sanitarista. Segundo Villaça (1999, p. 182):

O primeiro período é marcado pelos planos de melhoramentos e embelezamento ainda herdeiros da forma urbana monumental que exaltava a burguesia e que destruiu a forma urbana medieval (e colonial, no caso do Brasil). É o urbanismo de Versalhes, de Washington, de Haussmann e de Pereira Passos.

No módulo anterior havíamos tratado da influência do movimento das “Cidades Jardins”, fundado em 1898 por Ebenezer Howard, na constituição das idéias de planejamento. A influência deste movimento no Brasil foi extraordinária, os planos de embelezamentos que foram efetuados em várias cidades brasileiras, na virada e no início do século XX, refletiram concretamente esta influência. Dacio Araújo Benedicto Ottoni que fez uma introdução para o lançamento do livro de Ebenezer Howard “Cidades-Jardins de Amanhã”, revelou que esta influência no Brasil se deu de diversas maneiras:

“Esta influência também se apresenta no Brasil, de variadas maneiras. Em São Paulo, a partir de 1913, com a instalação da "City of São Paulo Improvements and Freehold Company Ltd". Para o Rio de Janeiro, o urbanista francês Alfred Agache em seu plano "A Cidade do Rio de Janeiro - Extensão, Remodelação, Embelezamento" (1930), propõe duas Cidades-jardins, para as ilhas do Governador e Paquetá. Vários loteamentos foram realizados nos bairros da Gávea, Jardim Botânico e Laranjeiras, muito valorizados na década de trinta e que foram beneficiados com o Decreto-Lei 6.000/37, excluindo deles a expansão da indústria. A Cidade-Jardim Laranjeiras (1936) (Fig.1) é um destes, destinado à clientela de bom padrão econômico, não permitindo estabelecimentos comerciais e industriais, possibilitando somente a construção de residências de até três andares distanciando-se assim da idéia global de Howard. O nome Cidade-Jardim vai dar algum status a vários empreendimentos da época, como o bairro homônimo em Belo Horizonte, junto à Avenida do Contorno. No plano para Goiânia (1933), de Atílio Corrêa Lima, a zona residencial ao sul da cidade é construída de ruas curvas, com inúmeros "cul de sac" e extensa vegetação (Fig.2), lembrando sistema empregado nas duas Cidades-Jardins inglesas.”
(OTONNI, 2002, p.67)
Figura 1. Fonte: Maurício Abreu, 1988, p.181
Figura 1. Fonte: Maurício Abreu, 1988, p.181
Figura 2. Fonte: Dacio A. B. Ottoni, 2002, p.69
Figura 2. Fonte: Dacio A. B. Ottoni, 2002, p.69

Na virada do século XIX, várias cidades brasileiras que sofreram surtos epidêmicos (Florianopolis, Santos, Natal, Vitória, Recife, Campinas, João Pessoa, Rio de Janeiro e São Paulo) experimentaram mudanças estéticas e higiênico-sanitárias, introduzidas pelo urbanismo sanitarista. Segundo Müller (2002, p.15):

“A delimitação do período histórico que compreende a virada do século XIX até
1930, faz-se por entender que, além dessa fase contemplar o maior número de
intervenções sanitárias significativas para a transformação da estrutura urbana, esse foi o período em que essas intervenções eram bastante pontuais e focadas principalmente na área central das cidades, onde se encontravam as elites idealizadoras dessas transformações. Até esse momento, não se pensava de uma maneira geral, em articular esses espaços com outras áreas periféricas.
Até então, essas reformas urbanas eram baseadas em intervenções de remodelação e embelezamento, fruto de uma imagem de modernidade exportada dos países europeus e que ganhou força com as idéias republicanas de progresso...
....As mudanças de ordem econômica passaram a despertar nas elites brasileiras uma intensa preocupação com a estética e a higiene. Vários discursos incentivaram a criação de novos espaços ao ar livre, como a construção de praças, jardins, grandes avenidas, que deveriam ser utilizados com o intuito de abrigar as novas funções e os cidadãos civilizados.
Muitos desses espaços eram criados e utilizados principalmente para apresentações cívicas, exposições e desfiles, e passaram a modificar significativamente o aspecto das cidades em que foram implantados.
Essas três décadas foram responsáveis, então, pelo início de uma série de questionamentos a respeito das relações entre público e privado, e pela criação de uma consciência comum frente a fenômenos como o da doença transmissível e a insalubridade que passaram a ameaçar as cidades.”

Neste período, o mundo europeu exerceu forte influência intelectual sobre boa parte dos temas que constituíam o ideário e o desejo das elites dominantes, médicos, como Oswaldo Cruz, arquitetos como Atílio Correia Lima, responsável por projetar o plano piloto de Goiânia, em 1933, e de engenheiros sanitaristas, como: Joaquim Eugênio de Lima, que elaborou o projeto da Avenida Paulista, em 1891; Teodoro Sampaio, engenheiro que trabalhou na comissão de saneamento e nos projetos para a canalização dos rios Tietê e Tamanduateí em São Paulo, nos anos 90 do século XIX; Francisco Prestes Maia, que elaborou o extraordinário Plano de Avenidas de irradiação "circular" para a cidade de São Paulo e Campinas, no anos 30; Aarão Reis que elaborou o plano para criação de Belo Horizonte, em 1894; Francisco Pereira Passos que efetuou a mais audaciosa reforma urbana no Rio de Janeiro, em 1903 (Box 1: O Plano de Melhoramentos Pereira Passos - Plano de Embelezamento e Saneamento da Cidade); Saturnino de Brito que elaborou planos para o saneamento de Santos, em 1904. Estes médicos, arquitetos e engenheiros, inspirados no ideário do urbanismo sanitarista, praticamente conceberam e realizaram a maioria das grandes intervenções urbanísticas no início do século XX, sem a consulta ou participação das classes sociais menos favorecidas.

Leia: Plano de Melhoramentos Pereira Passos)
Cf. In: http://www.urbanismobr.org/bd/documentos.php?id=2714

A fase de ouro desta fase que Villaça chamou de “planejamento lato-sensu”, ocorre com o surgimento nos anos 1920, da Escola de Sociologia e Ecologia Urbana de Chicago – A Escola de Chicago. Constituíram exemplos de intervenções urbanas da fase “planejamento lato-sensu” no Brasil:

Mas de 1906 a 1930, houve um relativo declínio dos planos de melhoramento e embelezamento, inspirados no “The City Beautiful Movement” ou do movimento cidade bela, que teve como um dos grandes precursores o arquiteto e paisagista, Frederick Law Olmsted.

Na década de 30, o Plano de Avenidas com irradiação circular para a cidade de São Paulo (Box 2: Plano de Avenidas de Francisco Prestes Maia), elaborado pelo urbanista e engenheiro, Francisco Prestes Maia, foi um dos últimos planos da tradição do urbanismo de melhoramento (VILLAÇA, 1999, p.207).

Nesta parte do curso mostramos as principais contribuições para o desenvolvimento do Planejamento urbano no Brasil e traçamos um panorama introdutório da historiografia sobre a primeira fase de sua história.

Leia: Plano de Avenidas de Francisco Prestes Maia)
Cf. In: http://www.urbanismobr.org/bd/documentos.php?id=1645