No primeiro módulo, tratamos do tema: O Fenômeno Urbano e as Origens do Planejamento Urbano e discutimos, sob uma perspectiva interdisciplinar, os conceitos de: gestão, gerência e governança. Neste segundo módulo, iremos tratar do tema: Intervenções Urbanísticas e Planejamento Urbano: Introdução a História do Planejamento no Brasil. A idéia é contribuir para o estudo da história do planejamento no Brasil e discutir a constituição do Urbanismo Sanitarista e dos Planos de Melhoramentos e de Embelezamentos, no período de 1875 a 1930.
Inicialmente gostaria de recomendar a todos aqueles que farão este curso que leiam o artigo da professora do IPPUR Dra Ana Clara Torres Ribeiro, sobre o tema “O Ensino do Planejamento Urbano e Regional: propostas à ANPUR”. Neste artigo a professora Ana Clara coloca sua posição frente aos desafios de quem pretende trabalhar com esta área, discute a necessidade de atualização e propõe um conjunto de sugestões à ANPUR, na implementação da formação profissional. O excelente trabalho da professora Ana Clara é o nosso ponto de partida:
“A área do planejamento urbano e regional encontra-se submetida a pressões que atingem a evolução orgânica do ensino, como exemplifica a rápida difusão de novas orientações teóricas e de método, mesmo quando são tratados temas tradicionalmente incluídos em sua dinâmica. Mas, o grande exemplo de pressão relaciona-se a mudanças na administração pública e em papéis assumidos pelo Estado. Para a área, esta última frente de processos possui especial relevância, na medida em que a ação do Estado encontra-se na sua origem, constituindo, portanto, um tema irrecusável de reflexão. E mais, as atuais mudanças na ação planejadora (e planejada) ultrapassam a preocupação com o Estado, atingindo os debates contemporâneos em torno do tecido social, como demonstra a valorização do cotidiano e do lugar; das articulações entre escalas na realização da economia; do conceito de espaço; dos sentidos da política e da democracia...
...A exigência de contínua atualização, decorrente da sua origem na ação planejadora do Estado, impõe que a área articule novas orientações teórico-conceituais a antigos acervos, garantindo sua coesão interna, evitando mimetismos e desvendando instrumentos úteis à intervenção no presente. Nesse movimento de atualização, a área é portadora de responsabilidades com a valorização da historicidade e da territorialidade e, dessa forma, da singularidade da experiência social. Também é caracterizada por responsabilidades no que concerne à ampliação da capacidade propositiva dos diferentes sujeitos sociais envolvidos em reivindicações e decisões relativas à (re)organização do espaço.
É no atual período histórico que adquire visibilidade a problemática do espaço, alargando exigências relativas ao posicionamento da área em relação a problemáticas originadas em diferentes campos disciplinares e esferas da vida social. Nesse contexto, a área experimenta o difícil equilíbrio exigido pela tomada de posição qualificada diante de questões relevantes para o presente e o futuro e a defesa do tempo de reflexão, que é indispensável à pesquisa básica e à formação de novos profissionais.”(RIBEIRO, 2003, p.64)
Existe um conjunto de obras que constituem o que chamamos de legado dos estudos históricos sobre o planejamento urbano, nem sempre este é composto por pesquisadores genuinamente vinculados à área de Geografia, este aspecto interdisciplinar pode enriquecer e contribuir para que se ampliem as perspectivas metodológicas dos estudos sobre a história contemporânea do planejamento urbano.
Indicaremos algumas obras que consideramos primordiais para uma pesquisa inicial sobre a história do planejamento urbano, principalmente nesta parte que trata de aspectos conceituais:
Em relação à origem do planejamento urbano no Brasil, há um relativo consenso por parte dos pesquisadores em relação à participação do Estado, considerado como principal ator na realização das principais iniciativas de intervenções urbanas, que marcaram o início das ações direcionadas para o ordenamento urbano.
O Estado foi, sem sombra de dúvida, desde o período colonial, o grande ator na promoção da urbanização e do planejamento urbano no Brasil. Todavia, segundo Flávio Villaça, a expressão Planejamento Urbano não deveria ser empregada para definir estas iniciativas de intervenções urbanas neste período, pois esta expressão só passou a ser utilizada, tal como a conhecemos hoje, mais recentemente em meados do século XX, ou seja, o conjunto de intervenções pré-urbanísticas e urbanísticas promovidas pela ação do Estado, muito anteriores a este período foram designadas por ele e outros pesquisadores como Urbanismo:
“A palavra urbanismo veio da França. Gaston Bardet (1949, p. 36) afirma que "le mot urbanisme apparaît en 1910, urbanisme, vers 1911". Agache atribui a si a criação do nome: "Este vocábulo: urbanismo, do qual fui o padrinho, em 1912, quando fundei a Sociedade Francesa dos Urbanistas [...]" (Agache, 1930, p. 6). Mais tarde, dos países anglo-saxões chegaram o city planning e o comprehensive planning.
No Brasil a palavra planejamento associada ao urbano é mais recente que urbanismo, e sempre teve uma conotação associada à ordem, à racionalidade e à eficiência, enquanto urbanismo ainda guardava resquícios do "embelezamento" sempre foi mais associado à arquitetura e à arte urbanas. Essa foi a razão pela qual o ensino do urbanismo nasceu no Brasil junto com o ensino da arquitetura. Mesmo quando o urbanismo era ensinado nas escolas de engenharia, desenvolveu-se entre os engenheiros arquitetos. Se o aspecto sanitário ou de saúde pública tivesse dominado no urbanismo brasileiro, este ter-se-ia desenvolvido nas faculdades de Medicina. Se as obras de infra-estrutura tivessem predominado, nas escolas de Engenharia. Mas não. O urbanismo no Brasil, como aparentemente em todo o mundo latino, aparece inicialmente associado à "arte urbana", à "arquitetura das cidades", ao "embelezamento urbano".
(VILLAÇA, 1999, p. 205)
Seguindo esta mesma orientação, o arquiteto francês Alfred H. Donat Agache, no seu livro: “Cidade do Rio de Janeiro, remodelação, extensão e embelezamento”, é de opinião que o Urbanismo,
"É uma ciência, e uma arte e sobretudo uma filosofia social. Entende-se por urbanismo o conjunto de regras aplicadas ao melhoramento das edificações, do arruamento, da circulação e do descongestionamento das artérias públicas. É a remodelação, a extensão e o embelezamento de uma cidade levados a efeito mediante um estudo metódico da geografia humana e da topografia urbana sem descurar as soluções financeiras".
(Apud, RESENDE, 1982, p.41)
Existe inúmeros exemplos de estudos sobre o urbanismo no período Colonial, algumas importantes vilas e cidades foram concebidas por planos que ajudaram a constituir a história das cidades brasileiras e a arquitetura lusitana dos trópicos no período colonial, como foram os caso de: Salvador, Cidade da Parahyba, Ouro Preto, São Luiz, Recife.
Mas, quando tratamos da história recente do planejamento urbano no Brasil, seguindo um roteiro historiográfico inspirado em Vera Resende e em Flávio Villaça, é possível efetuar uma periodização da história do planejamento urbano no Brasil, subdividindo-a em três grandes fases: a primeira, de 1875 a 1930, caracterizada pelos planos de melhoramentos e embelezamento; a segunda, de 1930 a 1990, período representado por investimentos em obras de infra-estrutura, e também caracterizado pelo predomínio dos planos diretores e pelo discurso de planejamento; e a terceira, a partir de 1990 até os dias atuais, representada pelo surgimento dos planos que conciliam as obras de infra-estrutura com as de embelezamento (Cf. Quadro Sinóptico 1). Nesta parte de nosso curso iremos trabalhar com a primeira fase: de 1875 a 1930, caracterizada pelos planos de melhoramentos e embelezamento.
1875 - 1930 Belle Époque Capitalismo Monopolista Mundo Europeizado Urbanismo Sanitarista Predomínio do planejamento urbano Lato-sensu |
1930-1990 Fordismo Mundo americanizado Pós-fordismo (a partir dos anos 70) Ocorre a transição e depois o predomínio do Planejamento Urbano Strito-sensu (a maioria não saiu do papel) |
1990 até os dias atuais Atual fase de globalização Emergência do Planejamento Estratégico |
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