Módulo 2
Intervenções urbanísticas e planejamento urbano: introdução à história do planejamento no Brasil

1. As origens do planejamento urbano no Brasil

No primeiro módulo, tratamos do tema: O Fenômeno Urbano e as Origens do Planejamento Urbano e discutimos, sob uma perspectiva interdisciplinar, os conceitos de: gestão, gerência e governança. Neste segundo módulo, iremos tratar do tema: Intervenções Urbanísticas e Planejamento Urbano: Introdução a História do Planejamento no Brasil. A idéia é contribuir para o estudo da história do planejamento no Brasil e discutir a constituição do Urbanismo Sanitarista e dos Planos de Melhoramentos e de Embelezamentos, no período de 1875 a 1930.

1.1. Considerações Preliminares sobre a Historiografia do Planejamento Urbano

Inicialmente gostaria de recomendar a todos aqueles que farão este curso que leiam o artigo da professora do IPPUR Dra Ana Clara Torres Ribeiro, sobre o tema “O Ensino do Planejamento Urbano e Regional: propostas à ANPUR”. Neste artigo a professora Ana Clara coloca sua posição frente aos desafios de quem pretende trabalhar com esta área, discute a necessidade de atualização e propõe um conjunto de sugestões à ANPUR, na implementação da formação profissional. O excelente trabalho da professora Ana Clara é o nosso ponto de partida:

“A área do planejamento urbano e regional encontra-se submetida a pressões que atingem a evolução orgânica do ensino, como exemplifica a rápida difusão de novas orientações teóricas e de método, mesmo quando são tratados temas tradicionalmente incluídos em sua dinâmica. Mas, o grande exemplo de pressão relaciona-se a mudanças na administração pública e em papéis assumidos pelo Estado. Para a área, esta última frente de processos possui especial relevância, na medida em que a ação do Estado encontra-se na sua origem, constituindo, portanto, um tema irrecusável de reflexão. E mais, as atuais mudanças na ação planejadora (e planejada) ultrapassam a preocupação com o Estado, atingindo os debates contemporâneos em torno do tecido social, como demonstra a valorização do cotidiano e do lugar; das articulações entre escalas na realização da economia; do conceito de espaço; dos sentidos da política e da democracia...
...A exigência de contínua atualização, decorrente da sua origem na ação planejadora do Estado, impõe que a área articule novas orientações teórico-conceituais a antigos acervos, garantindo sua coesão interna, evitando mimetismos e desvendando instrumentos úteis à intervenção no presente. Nesse movimento de atualização, a área é portadora de responsabilidades com a valorização da historicidade e da territorialidade e, dessa forma, da singularidade da experiência social. Também é caracterizada por responsabilidades no que concerne à ampliação da capacidade propositiva dos diferentes sujeitos sociais envolvidos em reivindicações e decisões relativas à (re)organização do espaço.
É no atual período histórico que adquire visibilidade a problemática do espaço, alargando exigências relativas ao posicionamento da área em relação a problemáticas originadas em diferentes campos disciplinares e esferas da vida social. Nesse contexto, a área experimenta o difícil equilíbrio exigido pela tomada de posição qualificada diante de questões relevantes para o presente e o futuro e a defesa do tempo de reflexão, que é indispensável à pesquisa básica e à formação de novos profissionais.”(RIBEIRO, 2003, p.64)

Existe um conjunto de obras que constituem o que chamamos de legado dos estudos históricos sobre o planejamento urbano, nem sempre este é composto por pesquisadores genuinamente vinculados à área de Geografia, este aspecto interdisciplinar pode enriquecer e contribuir para que se ampliem as perspectivas metodológicas dos estudos sobre a história contemporânea do planejamento urbano.

Indicaremos algumas obras que consideramos primordiais para uma pesquisa inicial sobre a história do planejamento urbano, principalmente nesta parte que trata de aspectos conceituais:

1.2. Aspectos metodológicos sobre a periodização do Planejamento Urbano

Em relação à origem do planejamento urbano no Brasil, há um relativo consenso por parte dos pesquisadores em relação à participação do Estado, considerado como principal ator na realização das principais iniciativas de intervenções urbanas, que marcaram o início das ações direcionadas para o ordenamento urbano.

O Estado foi, sem sombra de dúvida, desde o período colonial, o grande ator na promoção da urbanização e do planejamento urbano no Brasil.  Todavia, segundo Flávio Villaça, a expressão Planejamento Urbano não deveria ser empregada para definir estas iniciativas de intervenções urbanas neste período, pois esta expressão só passou a ser utilizada, tal como a conhecemos hoje, mais recentemente em meados do século XX, ou seja, o conjunto de intervenções pré-urbanísticas e urbanísticas promovidas pela ação do Estado, muito anteriores a este período foram designadas por ele e outros pesquisadores como Urbanismo:

“A palavra urbanismo veio da França. Gaston Bardet (1949, p. 36) afirma que "le mot urbanisme apparaît en 1910, urbanisme, vers 1911". Agache atribui a si a criação do nome: "Este vocábulo: urbanismo, do qual fui o padrinho, em 1912, quando fundei a Sociedade Francesa dos Urbanistas [...]" (Agache, 1930, p. 6). Mais tarde, dos países anglo-saxões chegaram o city planning e o comprehensive planning.
No Brasil a palavra planejamento associada ao urbano é mais recente que urbanismo, e sempre teve uma conotação associada à ordem, à racionalidade e à eficiência, enquanto urbanismo ainda guardava resquícios do "embelezamento" sempre foi mais associado à arquitetura e à arte urbanas. Essa foi a razão pela qual o ensino do urbanismo nasceu no Brasil junto com o ensino da arquitetura. Mesmo quando o urbanismo era ensinado nas escolas de engenharia, desenvolveu-se entre os engenheiros arquitetos. Se o aspecto sanitário ou de saúde pública tivesse dominado no urbanismo brasileiro, este ter-se-ia desenvolvido nas faculdades de Medicina. Se as obras de infra-estrutura tivessem predominado, nas escolas de Engenharia. Mas não. O urbanismo no Brasil, como aparentemente em todo o mundo latino, aparece inicialmente associado à "arte urbana", à "arquitetura das cidades", ao "embelezamento urbano".
(VILLAÇA, 1999, p. 205)

Seguindo esta mesma orientação, o arquiteto francês Alfred H. Donat Agache, no seu livro: “Cidade do Rio de Janeiro, remodelação, extensão e embelezamento”, é de opinião que o Urbanismo,

"É uma ciência, e uma arte e sobretudo uma filosofia social. Entende-se por urbanismo o conjunto de regras aplicadas ao melhoramento das edificações, do arruamento, da circulação e do descongestionamento das artérias públicas. É a remodelação, a extensão e o embelezamento de uma cidade levados a efeito mediante um estudo metódico da geografia humana e da topografia urbana sem descurar as soluções financeiras".
(Apud, RESENDE, 1982, p.41)

Existe inúmeros exemplos de estudos sobre o urbanismo no período Colonial, algumas importantes vilas e cidades foram concebidas por planos que ajudaram a constituir a história das cidades brasileiras e a arquitetura lusitana dos trópicos no período colonial, como foram os caso de: SalvadorCidade da Parahyba, Ouro Preto, São Luiz, Recife.

Mas, quando tratamos da história recente do planejamento urbano no Brasil, seguindo um roteiro historiográfico inspirado em Vera Resende e em Flávio Villaça, é possível efetuar uma periodização da história do planejamento urbano no Brasil, subdividindo-a em três grandes fases: a primeira, de 1875 a 1930, caracterizada pelos planos de melhoramentos e embelezamento; a segunda, de 1930 a 1990, período representado por investimentos em obras de infra-estrutura, e também caracterizado pelo predomínio dos planos diretores e pelo discurso de planejamento; e a terceira, a partir de 1990 até os dias atuais, representada pelo surgimento dos planos que conciliam as obras de infra-estrutura com as de embelezamento (Cf. Quadro Sinóptico 1). Nesta parte de nosso curso iremos trabalhar com a primeira fase: de 1875 a 1930, caracterizada pelos planos de melhoramentos e embelezamento.

Quadro Sinóptico 1
Periodização do planejamento urbano no Brasil
1875 - 1930
Belle Époque
Capitalismo Monopolista
Mundo Europeizado

Urbanismo Sanitarista
Predomínio do planejamento urbano Lato-sensu
1930-1990
Fordismo
Mundo americanizado
Pós-fordismo (a partir dos anos 70)

Ocorre a transição e depois o predomínio do Planejamento Urbano Strito-sensu (a maioria não saiu do papel)
1990 até os dias atuais
Atual fase de globalização

Emergência do
Planejamento Estratégico
  • Planos de melhoramentos e embelezamento.
  • Urbanismo: não existia o termo planejamento urbano - P.U.
  • Destacava a beleza monumental (cidade bela), para o consumo e reprodução ampliada do capital.
  • Surge o urbanismo sanitarista (discurso).
  • Participação de engenheiros e médicos.
  • A elite urbana discutia mais abertamente suas propostas urbanas.
  • Pouca participação das classes sociais menos favorecidas.
  • Ausência de organizações sociais.
  • 1875-1906: ascenção dos planos de melhoramenbto e embelezamento.
  • 1906-1930: declínio dos planos de melhoramento e embelezamento.
  • Surgem, nos anos 20, os estudos da Escola de Sociologia e Ecologia Urbana de Chicago - A Escola de Chicago.
  • P.U. como técnica de base científica para solução dos "problemas urbanos" (ideologia)
  • Da cidade bela para a cidade eficiente
  • Da cidade do consumo para a cidade da produção: as grandes obras são de infraestrutura e consomem milhões de dólares.
  • Surgimento da mobilização popular.
  • A elite urbana passa a discutir suas propostas urbanas a partir do discurso de planejamento, ou seja, como forma de mostrar para as demas classes socials que será "benéfico", e usando meios jurídicos para legitimar suas ações. Portanto, não podia mais discutir abertamente suas propostas urbanas.
  • Até a década de 1940: urbanismo
  • Década de 1950: surgem os termos P.U. e plano diretor.
  • 1930-1965: planejamento-discurso.
  • Anos 1960: plano Doxiadis.
  • 1965-1971: superplanos
  • Anos 1970: planejamento integrado.
  • 1971-1992: planos sem mapas.
  • P.U. conciliando reforma urbanística com reforma
  • Participação de diversos atores urbanos, incluindo as representatividades populares
  • Predomínio do P.U. stricto-sensu.
  • Politização sobre os planos urbanos, visando reeleição ou a indicação de sucessor político para a continuação dos projetos.
  • Surgimento da questão local.
  • A cidade-mercadoria (local x global).

Obs.: Este quadro sinóptico foi baseado na periodização do planejamento urbano no Brasil proposta por Vera Resende (1982) e Flávio Villaça (1999).