Módulo 1
O fenômeno urbano e as origens do planejamento urbano

1. Considerações sobre o surgimento do fenômeno urbano

A principal característica do fenômeno urbano é a primazia do urbano per se sobre o rural (VELHO, 1973), esta condição ocorreu impulsionada pela Revolução Industrial, entre séculos XVIII e XIX, decorrente de vários fatores: o desaparecimento progressivo do campesinato; o aumento do número de trabalhadores nas cidades (proletariado), e formação de uma mão-de-obra com escolaridade comum e qualificada para trabalhos simples; o movimento de migração de populações do campo para a cidade; avanço nas tecnologias de produção de alimentos; o constante crescimento das cidades, e com isso a constituição de um forte mercado interno, maior escoadouro para os produtos do país (HOBSBAWM, 2003); estruturação também de um mercado externo mais dinâmico e seguro, propício à acumulação de capitais. Ou seja, a formação do fenômeno urbano nas grandes cidades industriais do século XIX, pode ser explicada por uma conjugação de fatores endógenos e exógenos.

A causa deste processo foi à consolidação das economias de mercado nas grandes cidades e posteriormente do capitalismo industrial, fruto da expansão do comércio e da circulação global de mercadorias.

O crescimento das cidades e a expansão sem precedentes da urbanização, nos países ricos do hemisfério norte, constituíram a base e princípio do que chamamos de economias-mundo, este acontecimento passou a ser objeto de estudos de historiadores, geógrafos, economistas, urbanistas, sociólogos e antropólogos.

O processo acelerado da urbanização acarretou uma série de problemas urbanos que afetou a dinâmica das cidades. Populações amontoavam-se nas grandes cidades oriundas do campo e de diversas localidades.

1.1. As origens da Cidade Industrial

Os processos que desencadearam a Primeira Revolução Industrial na Inglaterra a partir da segunda metade do século XVIII são complexos, ou seja, a origem desse evento não é simples. Em primeiro lugar, o acontecimento não foi resultado de uma mera aceleração do crescimento econômico, mas uma aceleração do crescimento urbano em virtude da transformação econômica e social. Em segundo lugar, não começou do zero e não podemos deixar de apontar outras fases anteriores de rápido desenvolvimento industrial e tecnológico. Todos esses elementos a serem destacados contribuíram para que a Inglaterra ingressasse preparada na industrialização (HOBSBAWM, 2003).

As cidades industriais são um imbricado histórico, sua lógica espacial constitui uma totalidade de relações (culturais, políticas, econômicas e sociais), constituída através de uma longa duração, na qual a parte dominante dessas relações pode influir na determinação de suas características estruturais, ou seja, esta representa expressão material do modo de vida e de produção da sociedade através do trabalho social acumulado.

Neste sentido, as relações espacializadas ou espaciais articulam-se como atributos e com atributos de outros lugares, e seus espaços de produção passam a ser limites ou momentos do processo produtivo, onde interagem relações específicas e modos de produção que estruturam e definem sua forma.

As relações sociais que se desenvolvem nas cidades industriais tenderam a reproduzir o conteúdo da centralidade impingida pelo trabalho geral da sociedade, pois a cidade é o locus histórico do processo produtivo. Seu sítio contém a materialidade do trabalho acumulado por gerações anônimas de indivíduos e sua centralidade é a expressão da inerência grandiosa da obra do trabalho coletivo da sociedade.

As cidades industriais são também, em aparência, o espaço da socialização da produção social e, na essência a base contraditória do fenômeno urbano; no primeiro sentido, condição geral e base material de realização da produção social; no segundo, o "laboratório" conflituoso do processo de acumulação do excedente social.

Como o trabalho social é apropriado de maneira privada, sua convertibilidade social torna-se complexa, assim o Estado ajuíza e "regula" os interesses dos membros da sociedade, impondo deveres indistintamente a todos os cidadãos (pobres ou ricos) que permitam a realização das condições gerais de produção, o processo de acumulação e expropriação do trabalho social no espaço.

As contradições sociais resultam do processo de apropriação privada da cidade, enquanto meio de produção e força produtiva do trabalho social, e da sua subordinação aos interesses privados de alguns membros da sociedade.

A ruptura entre as relações campo e cidade, no início do século XIX, foi impulsionada com o aumento do emprego de tecnologias manufatureiras, na cidade, e pelo alargamento do mercado de sua produção de mercadorias e crescimento da produtividade do trabalho nas indústrias.

A cidade industrial se transformou no "laboratório" do processo de produção capitalista. A inevitabilidade do urbano passou a ser a inevitabilidade lógica da ascensão do modo de produção capitalista. O domínio e o aperfeiçoamento da produção na unidade fabril precipitaram a produção da esfera local para outras "escalas espaciais" de mercado. A progressão da produção ampliou-se da disputa intraterritorial para a interterritorial.

1.2. A formação das grandes metrópoles contemporâneas

Com o aumento da produção fabril, a cidade industrial conseguiu ampliar o conteúdo de sua centralidade, constituindo as metrópoles, expressão contraditória da influência de sua produção (econômica, cultural e política) em relação a outras cidades e ao campo.

Nos séculos XIX e XX, a força motriz da centralidade da cidade industrial foi à produção fabril ou manufatureira, que transformou o trabalho artesanal de sujeito e suporte do processo produtivo em mero apêndice ou acessório vivo.

A estrutura territorial de acumulação da cidade industrial se caracterizou pela espacialização e especialização do processo produtivo assentado na divisão territorial do trabalho. O pressuposto da produção foi, além da obtenção do lucro e de mais-valia, a expansão da produtividade, diminuição dos preços dos produtos e salários, redução do emprego (trabalho vivo) e da participação dos trabalhadores na concepção do sistema produtivo, seu crescimento em massa e aumento da competitividade.

Dentro dos padrões de acumulação que fizeram surgir à cidade industrial, "o estágio mais avançado da sociedade industrial é o estágio do consumo de massa". A verticalização, a densificação e a segmentação do consumo nas cidades industriais, produzidas pelas redes oligopolizadas de produção, distribuição e comercialização, criaram as megametrópoles, que representam a expressão mais contundente alcançada pelo poder de concentração e centralização exercido pela cidade industrial.

As mudanças tecnológicas alteraram as relações espaciais entre os lugares, entre as cidades e seus espaços produtivos. A utilização da informática, das telecomunicações e do sensoriamento remoto (com imagens espectrais dos satélites), favoreceu a metropolização, mundialização e a globalização das relações econômicas e sociais, produzidas pela cidade industrial, o que ampliou as possibilidades de trocas, os fluxos de informações e conhecimento (saber-fazer).

Mas, as iniciativas de "regulação" pelo Estado através do planejamento, nos problemas advindos da formação das "economias de aglomerações" (as cidades), tendem a gerar novas formas de realização da acumulação e de reprodução do capital. O planejamento burguês tende a manter as condições gerais de acumulação, em detrimento das condições gerais de reprodução social. Esta é a contradição básica das ações estatais implementadas através do planejamento.