Neurocognição

Novos Neurônios Funcionam?

É claro que só demonstrar a neurogênese humana não é suficiente. Se o objetivo final é estimular a regeneração neuronal controlada em doentes, é necessário que se determine a localização das células-tronco capazes de se tornar neurônios, que elas serão funcionais e poderão enviar e receber mensagens de forma correta. Felizmente, já que a neurogênese no hipocampo dos roedores representa um fenômeno que ocorre no cérebro humano, os pesquisadores podem voltar a realizar estudos com ratos e camundongos a procura de pistas.

Estudos anteriores com roedores revelaram que algum tipo de neurogênese ocorre durante toda a vida não apenas no hipocampo, mas também no sistema olfativo. As células-tronco também podem ser encontradas em partes do cérebro como o septo (envolvido, em processos de emoção e aprendizagem), o striatum (envolvido na sintonia fina de atividades motoras) e a medula espinhal. Porém, as células que se encontram fora do hipocampo e do sistema olfativo não parecem produzir neurônios em condições normais.

Se a parte anterior do cérebro de um animal fosse transparente, a porção do giro denteado do hipocampo seria visualizada como uma camada fina e escura e teria mais ou menos a forma de um V visto de lado. Esse V é composto por corpos celulares de neurônios granulares partes globulares que contém o núcleo. A camada adjacente interna deste V é denominada hilo e é composta principalmente por axônios, projeções longas através das quais células granulares transmitem sinais para uma estação de relé hipocampal conhecida como CA3.


Uma célula-tronco totipotente, capaz de produzir qualquer célula do corpo, produz descendentes iniciais que incluem células-tronco, ainda não especializadas, comprometidas com a produção de células cerebrais (1). Essas células comprometidas, posteriormente produzem células "progenitoras", destinadas a criar apenas neurônios (2), ou células gliais, que promovem a sobrevivência dos mesmos. Finalmente as progenitoras neuronais geram células granulares no hipocampo (3) ou outro tipo de neurônio em outras partes do cérebro. Os passos 2 e 3 parecem se repetir durante toda vida no hipocampo humano.

As células-tronco que produzem novas células granulares ficam na divisa entre o giro denteado e o hilo e se dividem continuamente. Muitas das descendentes são exatamente iguais as células precursoras, e grande parte delas parece morrer logo após ser produzida. Algumas células migram para regiões mais profundas da camada de células granulares e adquirem a aparência daquelas ao seu redor, incluindo suas múltiplas projeções para recepção e envio de sinais. Além disso, estendem seus axônios pelos mesmos trajetos utilizados por células vizinhas já estabelecidas.

As células-tronco que produzem novos neurônios no sistema olfativo alinham-se ao longo das paredes de cavidades cerebrais repletas de líquidos, conhecidas como ventrículos laterais. Arturo Alvarez Buylla e colegas do Rockefeller demonstraram que algumas descendentes destas células-tronco migram uma boa distância para dentro do bulbo olfatório, onde adquirem características dos neurônios dessa área.

Considerando que os novos neurônios em ambas as regiões cerebrais se parecem com os nascidos anteriormente, existe uma grande possibilidade de que seu comportamento também seja igual. Mas como provar isso? Estudos que analisam os efeitos do meio ambiente na anatomia cerebral têm nos ensinado muito. No início dos anos 1960, Mark R. Rosenzweig e colegas da University of California, em Berkeley, removeram roedores de suas condições normais no laboratório, bastante espartanas, e os colocaram em um ambiente mais rico, onde desfrutavam do luxo de viver em grandes gaiolas e conviver com outros roedores. Além disso, podiam explorar os arredores (constantemente modificados pelos responsáveis) e usar diversos brinquedos.

O grupo de Rosenzweig, e mais tarde o de William T. Greenough, da University of Illinois, descreveram conseqüências admiráveis desse experimento. Em comparação com animais mantidos nas gaiolas padrão, o cérebro daqueles que desfrutaram de uma vida mais rica ficou mais pesado, além de apresentar maior densidade de determinadas estruturas, diferenças nos níveis de alguns neurotransmissores (moléculas que transportam mensagens estimuladoras ou inibidoras de um neurônio para outro), maior número de conexões entre as neurônios e maior ramificação de projeções neuronais. E demonstraram melhor desempenho em testes de aprendizagem.

Desde então, neurobiólogos se convenceram de que o enriquecimento do ambiente em que vivem roedores maduros influencia o processo de formação da circuitaria cerebral, aumentando sua capacidade cerebral. Durante anos, porém, a noção de que a produção de novos neurônios no cérebro adulto poderia contribuir para isso foi descartada, mesmo após Altman ter sugerido, já em 1964, que tal processo deveria ser considerado.

Outras descobertas confirmaram que modificações ambientais de fato afetam a neurogênese adulta. Através da aplicação de uma tecnologia não disponível na década de 1960, nosso grupo demonstrou, em 1997, que camundongos adultos com condição de vida mais rica produziram 60% mais células granulares novas no giro denteado que um grupo de controle geneticamente idêntico. Também se saíram melhor em um teste de aprendizagem. A melhoria do ambiente aumentou até mesmo a neurogênese e o desempenho de aprendizagem de camundongos com idade bastante avançada, cuja taxa básica de produção neuronal é muito mais baixa que a de adultos jovens.

Não estamos afirmando que as melhorias de comportamento tenham ocorrido unicamente graças aos novos neurônios, uma vez que modificações na configuração das ramificações, bem como no microambiente químico das áreas cerebrais envolvidas sem dúvida têm papel importante. Por outro lado, seria surpreendente se um progresso tão dramático na formação de neurônios, assim como a preservação da neurogênese adulta durante a evolução, não servisse a alguma função.