Philippe PERRENOUD
In: PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens-entre duas lógicas; trad. Patrícia Chittoni Ramos.-Porto Alegre: Artes Mádicas Sul,1999. 183p.
Publicado em Mesure et évaluation en éducation. 1991, v. 14, n. 4, p. 49-81.
A idéia de avaliação formativa presta-se a debates especializados sobre questões muito agudas. É necessário, periodicamente, encontrar uma visão de conjunto e se indagar: os professores e os pesquisadores se fazem às perguntas certas? Quais são, hoje, os conhecimentos e as incertezas. ? Os impasses e as pistas fecundas? Entre a abstração um tanto vazia e a tecnicidade limitada, entre a autonomia e a fusão com a didática, a avaliação formativa procura ainda seu caminho. Sobre a concepção dos objetivos, a natureza da instrumentação, as relações entre avaliação formativa e pedagogia, ninguém pode pretender deter verdades definitivas. Sobre a maneira de integrar a avaliação à prática, sobre as estratégias de mudança ou de formação dos professores, diversas concepções também se confrontam.
(...)
É formativa toda avaliação que ajuda o aluno a aprender e a se desenvolver; ou melhor, que participa da regulação das aprendizagens e do desenvolvimento no sentido de um projeto educativo. Tal é a base de uma abordagem pragmática. Importa, claro, saber como a avaliação formativa ajuda o aluno a aprender, por que mediações ela retroage sobre os processos de aprendizagem. Todavia, no estágio da definição, pouco importam as modalidades: a avaliação formativa define-se por seus efeitos de regulação dos processos de aprendizagem. Dos efeitos buscar-se-á a intervenção que os produz e, antes ainda, as observações e as representações que orientam essa intervenção.
A avaliação formativa foi por muito tempo associada à imagem de um teste de critérios, que se aplica após um período de aprendizagem, acompanhado de uma seqüência de remediação para os alunos que não dominam todos os conhecimentos visados. Há uma década, os pesquisadores francófonos esforçam-se em ampliar esse modelo, conservar mais sua inspiração global do que modalidades pouco compatíveis com as teorias construtivistas da aprendizagem ou as didáticas de referência. Pode-se, pois, esperar hoje não ter mais que pleitear longamente a ampliação da observação, da intervenção e da regulação.
Melhor seria falar de observação formativa do que de avaliação, tão associada está esta última palavra à medida, às classificações, aos boletins escolares, à idéia de informações codificáveis, transmissíveis, que contabilizam os conhecimentos. Observar é construir uma representação realista das aprendizagens, de suas condições, de suas modalidades, de seus mecanismos, de seus resultados. A observação é formativa quando permite orientar e otimizar as aprendizagens em curso sem preocupação de classificar, certificar, selecionar. A observação formativa pode ser instrumentada ou puramente intuitiva, aprofundada ou superficial, deliberada ou acidental, quantitativa ou qualitativa, longa ou curta, original ou banal, rigorosa ou aproximativa, pontual ou sistemática. Nenhuma informação é excluída a priori, nenhuma modalidade de percepção e de tratamento é descartada.
Sem dúvida, uma observação medíocre tem pouca chance de orientar uma intervenção eficaz. Evite-se, contudo, comparar a qualidade de uma observação à sua conformidade a padrões metodológicos desenvolvidos no domínio da medida. Uma medida digna desse nome deve ser válida, fiel, precisa, sem desvios, estável. Uma avaliação formativa não deve dobrar-se a esses critérios por pura preocupação com respeitabilidade. Sua lógica é diferente, contam somente seus efeitos de regulação.
Já o campo do observável é tão diverso e complexo quanto os processos de aprendizagem e de desenvolvimento e suas condições (Cardinet, 1983b, 1986b). Nada impede avaliar conhecimentos, fazer balanços. Para reorientar a ação pedagógica, é preciso, em geral, ter uma idéia do nível de domínio já atingido. É possível também se interessar pelos processos de aprendizagem, pelos métodos de trabalho, pelas atitudes do aluno, por sua inserção no grupo, ou melhor dizendo, por todos os aspectos cognitivos, afetivos, relacionais e materiais da situação didática. Para compreender certos erros de leitura a partir de uma interpretação psicanalítica, à maneira de Bettelheim e Zélan (1983), é necessário evidentemente observar algo bem diferente de um simples nível de desempenho.
O que conta mais na observação é menos sua instrumentação do que os quadros teóricos que a orientam e governam a interpretação do observável. Ainda aqui, evitemos as normas à priori: algumas teorias científicas e explícitas da aprendizagem e do desenvolvimento orientarão certas formas de observação formativa, mas teorias mais ingênuas, paradigmas mais vagos, representações mais pessoais dos processos e das causalidades em curso também poderão revelar-se bem eficazes. No estado atual das ciências humanas, não se pode esperar dispor de modelos teóricos fundamentados e compartilhados por todas as aprendizagens prescritas pelo currículo. Mesmo existindo tais modelos, não se poderia esperar que todos os professores os compreendessem, os aceitassem e os internalizassem a ponto de fazê-los funcionar com rigor em todas as situações didáticas.
Não há razão alguma para associar a idéia de observação formativa a um tipo particular de intervenção. O desenvolvimento e a aprendizagem dependem de múltiplos fatores freqüentemente entrelaçados. Toda avaliação que contribua para otimizar, por pouco que seja, um ou vários dentre esses fatores pode ser considerada formativa. Não se vê motivo para se restringir à definição da tarefa ou às instruções, ao procedimento didático e a seus suportes, ao tempo conferido ao aluno ou ao apoio que a ele se dispensa. O clima, as condições de trabalho, o sentido da atividade ou a auto-imagem importam tanto quanto os aspectos materiais ou cognitivos da situação didática.
Pode-se ajudar um aluno a progredir de muitas maneiras: explicando mais simplesmente, mais longa ou diferentemente; engajando-o em nova tarefa, mais mobilizadora ou mais proporcional a seus recursos; aliviando sua angústia, devolvendo-lhe a confiança, propondo-lhe outras razões de agir ou de aprender; colocando-o em um outro quadro social, desdramatizando a situação, redefinindo a relação ou o contrato didático, modificando,o ritmo de trabalho e de progressão, a natureza das sanções e das recompensas, a parcela de autonomia e de responsabilidade do aluno.
A ampliação da intervenção segue várias direções complementares. Ela leva a se desvincular:
Resta, evidentemente, encontrar os recursos, os métodos e as regras deontológicas que permitirão ir nesse sentido, sem, no entanto, ampliar a intervenção a ponto de desviá-la para uma forma selvagem de trabalho social, de terapia familiar ou de atendimento clínico. Trata-se de se acantonar na pedagogia, em sentido lato. Essa ampliação da intervenção, baseada em teoria, que responde à complexidade do real e adota uma abordagem sistêmica, encontra na prática inúmeros obstáculos: identidade e competência dos professores, falta de disponibilidade, divisão do trabalho entre professores, bem como com outros intervenientes (psicólogos e assistentes sociais).
Historicamente, a idéia de avaliação formativa se desenvolveu em uma lógica do a posteriori. Pode-se tentar desembaraçar a idéia de remediação de suas conotações ortopédicas ou curativas, considerar que ela faz parte das regulações ordinárias da aprendizagem, que pode intervir bem antes do fracasso e que concerne a todo aluno que não aprende espontaneamente. Resta que a remediação é da ordem da reação e da retroação no fim de uma ou de várias seqüências de aprendizagem, considerados os conhecimentos e as dificuldades observáveis.
A propósito de avaliação formativa e, mais geralmente, de pedagogia de domínio, Allal (1988a) distinguiu três tipos de regulação:
Essas três modalidades podem combinar-se. Nenhuma deveria ser associada a um procedimento estereotipado. A regulação retroativa pode tomar a forma de uma remediação, mas essa não é a única possibilidade. A remediação deve, ela também, ser entendida em um sentido amplo: "remediar" não quer dizer necessariamente retrabalhar as mesmas noções e habilidades, mesmo com novas explicações, com mais tempo, com um material diferente. Uma remediação ampla pode levar a reconstruir elementos bem anteriores, renunciando provisoriamente às aprendizagens problemáticas. Pode também levar a agir em outras dimensões da situação didática, até mesmo da trajetória escolar. Intervir a posteriori não significa ipso facto: refazer imediatamente o mesmo caminho em melhores condições.
A regulação "proativa" situa-se nos limites da avaliação formativa. Allal (1988a) definiu-a, aliás, como uma forma de regulação, não necessariamente de avaliação. Antes de ensinar, parece razoável indagar-se a quem se destina esse ensino, o que os alunos já sabem, quais são suas disposições de ânimo e seus recursos, que dificuldades correm o risco de encontrar. Assim, não se está em uma lógica da orientação, nem mesmo da atribuição a níveis ou tratamentos pedagógicos separados, mas do ajustamento das tarefas e das situações à diversidade dos alunos.
Quanto à regulação interativa, é preciso associá-la a uma modalidade de direção de classe e de diferenciação do ensino. Certamente, definindo microsseqüências de trabalho, ou mesmo de ensino, pode-se levar toda regulação interativa a uma regulação proativa ou retroativa e reencontrar-se em uma lógica da antecipação ou da remediação. O interesse do conceito é justamente fazer a avaliação formativa pender para o lado da comunicação contínua entre professores e alunos (Cardinet, 1988). Nesse espírito, melhor seria considerar as regulações proativas e retroativas como formas um pouco frustradas de regulação interativa, concessões às condições de trabalho que, na maior parte das classes, impedem uma interação equilibrada com todos os alunos. A regulação interativa é prioritária porque só ela é verdadeiramente capaz de agir sobre o fracasso escolar.
A ampliação da observação, da intervenção, dos momentos e modalidades de regulação vai no sentido não só de uma outra avaliação, mas de uma pedagogia mais eficaz. Por mais gratificante que seja, essa evolução levanta, entretanto, problemas conceituais significativos, ligados à representação da regulação e à própria definição da avaliação formativa como prática identificável, distinta das outras formas da ação pedagógica. Essa tendência se acentua graças aos mais recentes aportes da pesquisa sobre a integração da perspectiva formativa à didática, sobre o papel da metacognição e da auto-avaliação, sobre as regulações inscritas nas interações didáticas.
Talvez tenha chegado o momento de construir mais explicitamente uma problemática central, organizada em tomo do conceito de regulação das aprendizagens, considerando a avaliação formativa como uma forma de regulação dentre outras. Proporei até mesmo concebê-la como uma regulação por falta, não intervindo senão em última instância, quando outras formas de regulação esgotaram (provisoriamente) suas possibilidades. Não para minimizar o papel do professor e do seu trabalho de observação e de intervenção, mas para não desperdiçar esse recurso raro! Todas as regulações que funcionam sem o professor são outros tantos trunfos de uma pedagogia diferenciada.
Pode-se considerar que todo feed-back é formador, venha de onde vier e qualquer que seja sua intenção, visto que contribui para a regulação da aprendizagem em curso. Deve-se, então, falar de avaliação ou de observação formativa? Não se corre o risco de dissolver o "formativo" à força de ampliá-lo?
Essa ampliação está na linha de uma abordagem pragmática: querendo-se aumentar a eficácia do ensino, é indispensável interessar-se por tudo o que contribui para a regulação do desenvolvimento e das aprendizagens. A avaliação não é, portanto, senão uma peça de um dispositivo mais vasto. Dever-se-ia, então, por deslizamentos sucessivos, estender a noção de avaliação formativa a ponto de nela englobar o conjunto do dispositivo de regulação?Mais vale reconhecer que as pesquisas sobre a avaliação formativa levam parcialmente a sair disso, a constituir ou a desenvolver teorias mais gerais das interações e regulações didáticas, teorias que ainda não encontraram sua unidade e sua ancoragem, mas que se organizam em tomo de uma questão fundamental: como conceber dispositivos didáticos favoráveis a uma regulação contínua das aprendizagens ?
Fazendo parte da reflexão sobre a eficácia do ensino, a avaliação formativa devia ser pensada no âmbito de uma didática. Isso parece evidente, mas a especialização das pesquisas e das formações tende a reservar a alguns o território da avaliação, a outros o das didáticas de disciplinas.
Nas últimas décadas, não faltaram reformulações de programas e de didáticas. Freqüentemente em ruptura com as didáticas tradicionais (e implicitamente com suas formas de avaliação cumulativa, a prova escrita ou oral) , as novas didáticas não foram, em geral, muito imaginativas no que concerne à avaliação. Talvez porque, na mente dos reformuladores, a avaliação fica do lado das obrigações, da instituição, da tradição e eles aspiram a "desembaraçar-se delas". Ou porque eles antecipam, com resignação, um "retomo do recalcado", como se as práticas tradicionais de avaliação tivessem força suficiente para sobreviver a qualquer renovação e para se impor aos professores contra o espírito de toda nova pedagogia.
Talvez esse raciocínio seja válido no que tange à avaliação certificativa ou somativa, especialmente às notas e aos boletins escolares tradicionais. Mesmo nesse caso, é uma política de pouca visão a de ignorar essas formas de avaliação quando se quer reformular, por exemplo, a didática da matemática ou da língua materna. De qualquer maneira, o raciocínio não se aplica à avaliação formativa, que deveria ser levada em conta em toda reformulação didática. Esse modo de pensar ainda está longe de alcançar unanimidade. Por isso, os professores mais preocupados com a eficácia ficam freqüentemente entre dois modelos: um modelo didático sedutor (pedagogia das situações matemáticas, do projeto, da comunicação), mas que não diz grande coisa da avaliação, e um modelo de avaliação formativa transdisciplinar, inspirado pela pedagogia de domínio, ou de outras teorias da aprendizagem e da regulação, que se desenvolveu independentemente da didática e do currículo específico de uma disciplina. O exemplo mais evidente, na escola primária, é o confronto entre as novas pedagogias, derivadas dos princípios da escola ativa, mas mudas sobre a avaliação, e modelos de avaliação formativa fiéis aos primeiros trabalhos de Bloom. A didática fala então a linguagem das situações de comunicação, das atividades-meio, dos problemas abertos, das pesquisas, das pesquisas de campo, do engajamento do grupo-classe em diversos empreendimentos ambiciosos, ao passo que os modelos clássicos de avaliação formativa falam a linguagem de objetivos específicos, de testes formativos, de seqüências de remediação. Daí a importância de se buscar uma ampliação da pedagogia de domínio (Allal, 1988a). Trata-se de inventar regulações adaptadas às novas pedagogias, a seus objetivos e a suas teorias de aprendizagem em vez de fazer essas pedagogias regredirem para que se ajustem ao molde clássico ensino-testes-remediações.
Talvez seja necessário ir ainda mais longe. Desde 1987, no âmbito dos encontros francófonos sobre avaliação, Daniel Bain afirmava: "A avaliação formativa está no caminho errado (1988a). Negando que a avaliação formativa seja constituída em campo autônomo, ele pleiteava uma " entrada pela didática", ou melhor, uma problemática da avaliação formativa, construída a partir dos conteúdos e estruturas específicas do saber, bem como dos mecanismos de aprendizagem correspondentes. Tomando o exemplo da pedagogia da expressão escrita, ele mostrava que uma avaliação formativa, nesse domínio, supõe uma teoria do texto e da produção de textos e deve inserir-se em um procedimento didático coerente, com hipóteses precisas sobre a maneira como se constroem as competências e sobre a natureza dos erros ou dos desregramentos prováveis dos alunos. Esse alerta provocaria, um ano mais tarde, em Friburgo, um confronto amigável entre Daniel Bain (1988b), que desenvolvia sua tese, e Linda Allal (1988b), que, sem se opor a toda entrada pela didática, afirmava, contudo, o valor de uma abordagem transdisciplinar da avaliação formativa a partir das teorias gerais dos objetivos, da aprendizagem e das regulações cognitivas e metacognitivas.
Coexistem, de fato, dois debates distintos. Um diz respeito à especificidade relativa de cada tipo de conhecimento e de aprendizagem: não se adquire o domínio de uma língua estrangeira como se constrói um saber matemático. As regulações, no sentido mais amplo, e notadamente as que dizem respeito à avaliação formativa no sentido mais estrito usado aqui, não deveriam ser concebidas como processos gerais senão em um primeiro momento, porque esse é heurístico. Em um segundo momento, importa especificá-los. Parece, nesse ponto, possível e necessário manejar um vaivém entre teorias da aprendizagem relativamente independentes dos conteúdos, que propõem paradigmas gerais, e teorias do conhecimento, da transposição didática e da construção de saberes no interior de campos delimitados, que correspondem aos recortes atuais do currículo escolar.
O segundo debate me parece mais complexo. Incide sobre as relações entre avaliação formativa e didática. Na medida em que se define a avaliação formativa por sua contribuição in fine à regulação das aprendizagens, não se pode evitar a questão: o que distingue a avaliação formativa da pedagogia pura e simples? A pergunta é ainda mais pertinente se concebe a didática, no significado mais amplo, como um dispositivo de regulação das aprendizagens no sentido de objetivos declarados.
Conceber a didática como dispositivo de regulação é romper com uma distinção
clássica, senão sempre explícita, entre um tempo do ensino, no sentido amplo, e um tempo da regulação. Esse esquema supõe que se possa, com razão, dissociar dois momentos sucessivos na ação pedagógica:
Essa dissociação convém, sem dúvida, a certas ações técnicas, alicerçadas em uma ciência de referência sólida e formalizada. Quando se lança um foguete, pode-se calcular o essencial da trajetória. O cálculo funciona, então, como uma regulação antecipada. A regulação em tempo real toma-se uma regulação residual, que permite enfrentar as perturbações menores do ambiente. A pedagogia aspira a se aproximar desse modelo. Teria ela os meios para isso? Seria razoável apostar tudo na construção de um currículo, de um curso, de seqüências didáticas bem-feitas, na esperança de que, então, a aprendizagem "se fizesse por si"? Todo autor de manual ou de um método gostaria de crer que o procedimento de ensino que propõe é "tão bem-pensado" que antecipa os questionamentos do aluno, suas perplexidades, suas dúvidas, suas descobertas, suas trajetórias, o que deveria permitir fazer a economia de qualquer grande regulação durante a aprendizagem. Nas obras metodológicas, encontram-se, em profusão, seqüências e situações didáticas exemplares, consideradas produtoras de efeitos de aprendizagem muito valiosos. A questão do fracasso ou da conclusão parcial do procedimento, ao menos para alguns alunos, parece depender de um outro registro, o da vida cotidiana, com suas imperfeições. O discurso didático se move ainda muito freqüentemente em um mundo de ficção, onde os alunos querem aprender, dominam os pré-requisitos e não resistem à natureza do método...
Talvez algum dia se chegue a esse grau de domínio antecipado dos processos sociais e mentais. Hoje, as didáticas melhor concebidas não asseguram de antemão senão as aprendizagens de uma fração dos alunos, os melhores, dos quais se diz habitualmente que aprendem a despeito da escola e se conformam com todos os tipos de pedagogias. Dentre outras coisas, impõem-se nuanças: alguns aprendem só o suficiente para sair-se honrosa- mente e progredir de série em série. Outros não aprendem nada ou quase nada e se acham rapidamente em situação muito difícil. Para além da diversidade dos destinos escolares, percebe-se um único fenômeno: a impotência das pedagogias para gerar na maioria dos alunos, pelo menos nos momentos compartilhados, aprendizagens à altura das ambições declaradas da escola.
Pode-se analisar essa impotência de diversas maneiras, insistir sobre o currículo, os meios de ensino, o método, os suportes audiovisuais, a relação pedagógica etc. Sem descartar totalmente esses fatores, julgo que eles passam ao lado do essencial: o sucesso das aprendizagens se passa na regulação contínua e na correção dos erros, muito mais do que no gênio do método. Sabe-se muito bem disso quanto à leitura: há toda sorte de maneiras de ensinar e de aprender a ler. Sem as opor, seria melhor procurar o que as aprendizagens eficazes têm em comum. Encontrar-se-ia sem dúvida um denominador constante: regulações intensas e individualizadas ao longo de todo o processo.
Daí decorre a concepção da didática defendida aqui: um dispositivo que favorece uma regulação contínua das aprendizagens. No jogo de xadrez, se os primeiros lances são importantes, raramente comandam por si sós a solução da partida. Um jogador experiente se preocupa em escolher uma boa estratégia de abertura, mas mais ainda em ajustá-la permanentemente ao comportamento do adversário, chegando, se necessário, a mudá-la totalmente. Uma entrevista aprofundada de pesquisa não se resolve nas três primeiras perguntas. O essencial é a capacidade de o entrevistador enfrentar o imprevisto, de improvisar, de decidir em situação. Da mesma forma, um terapeuta sabe que deverá reorganizar constantemente sua ação para dar conta da evolução da situação e da relação. A didática, tal como é concebida, deveria concernir ao mesmo registro: antecipar, prever tudo o que fosse possível, mas saber que o erro e a aproximação são a regra, que será preciso retificar o alvo constantemente. Nesse espírito, a regulação não é um momento específico da ação pedagógica, é um componente permanente dela.
Em que se transforma a avaliação formativa nessa perspectiva? É uma forma de regulação dentre outras. Antes de recorrer a isso, cumpre, caso se privilegie a regulação no curso da aprendizagem, alicerçar mais estratégias educativas sobre o próprio dispositivo didático e, em particular, sobre dois outros mecanismos que, eles sim, não exigem a intervenção constante do professor: a regulação pela ação e a interação e a auto-regulação de ordem metacognitiva.
Weiss (1989, 1993) propôs falar-se de interação formativa pensando não só nas interações didáticas clássicas, mas em todas as situações de comunicação nas quais a estimulação ou a resistência da realidade não são assumidas somente pelo professor, mas por outros parceiros. Nem toda aprendizagem exige um feedback ad hoc. De um lado, ela se nutre das regulações inseridas na própria situação, que obriga o aluno, conforme as interações, a ajustar sua ação ou suas representações, a identificar seus erros ou suas dúvidas, a levar em conta o ponto de vista de seus parceiros, ou seja, a aprender por ensaio e erro, conflitos cognitivos, cooperação intelectual ou qualquer outro mecanismo.
A idéia de que a aprendizagem e o desenvolvimento passam por uma interação com o real não é nova. Toda a psicologia genética piagetiana é indissociavelmente construtivista e interacionista (Perret-Clermont, 1979, Mugn 1985). Por sua vez, todas as pedagogias novas, modernas, ativas insistem na importância da ação do sujeito que quer atingir um objetivo e se choca com a realidade. Podem-se evocar também os trabalhos sobre os conflitos sociocognitivos e as interações didáticas (Perret-Clermont e Mugny; 1985; Perret- Clermont e Nicolet, 1988; SchubaueroLeoni, 1986, SchubaueroLeoni e Perret-Clermont, 1985). Ou ainda afirmar que não se aprende sozinho! (CRESAS, 1987,1991).
Alguns insistem mais sobre as dimensões sociais da interação, seja ela conflitual, seja cooperativa. Outros dão à noção de interação um sentido mais geral de confrontação com o real, presente tanto no trabalho solitário quanto na troca com outrem. A informática e outras máquinas audiovisuais favorecem uma interação intermediária, pois confrontam o aluno com mecanismos programados pelo homem para lhe servir de parceiro. Papert (1981) fala do computador como uma "máquina para pensar junto". A ação é fator de regulação do desenvolvimento e das aprendizagens muito simplesmente porque obriga o indivíduo a acomodar, diferenciar, reorganizar ou enriquecer seus esquemas de representação, de percepção e de ação. A interação social o leva a decidir, a agir, a se posicionar, a participar de um movimento que o ultrapassa, a antecipar, a conduzir estratégias, a preservar seus interesses.
A aula tradicional "modernizada" é uma forma de interação social. Pode-se duvidar de sua eficácia, especialmente quanto à participação dos alunos mais fracos. As pedagogias ativas buscam, pois, estruturas de interação menos dependentes do professor como personagem central (trabalhos de grupo), menos fechadas na escola (investigações, espetáculos) e que sejam acompanhadas de projetos, regras do jogo ou problemas que têm, para os alunos, mais sentido e atrativo do que os exercícios escolares convencionais. Meu propósito não é debater aqui pedagogias ativas e interativas em detalhe, mas assinalar que essa é uma das problemáticas às quais a perspectiva pragmática conduz no momento em que se está mais preocupado com as regulações do que com a avaliação.
A outra via promissora concerne ao que Bonniol e Nunziati chamaram de avaliação formadora. Portanto, não se trata mais de multiplicar os feedbacks externos, mas de foro mar o aluno para a regulação de seus pr6prios processos de pensamento e aprendizagem, partindo do princípio de que todo ser humano é, desde a primeira infância, capaz de representa!; pelo menos parcialmente, seus próprios mecanismos mentais. Aliam-se, assim, - o que não exclui nem as diferenças, nem o debate - diversas correntes de pesquisa parcialmente independentes:
Ainda aqui, a abordagem absolutamente não exclui a avaliação explícita feita pelo professor, especialmente como encarnação de um modelo de objetivação dos processos e dos conhecimentos, de explicação dos objetivos e das expectativas. Contudo, se está bem longe dos testes com critérios seguidos por remediações. Finalmente, a avaliação formadora tem apenas um parentesco limitado com a avaliação formativa. Ela privilegia a auto-regulação e a aquisição das competências correspondentes.
As duas abordagens que acabam de ser esquematicamente descritas são promissoras. Recobrem o que o Grupo Francês de Educação Nova chama "auto-socioconstrução dos saberes", que insiste sobre a auto-organização do sujeito e, simultaneamente, sobre a interação social como recursos principais na construção dos conhecimentos. A inspiração é globalmente a mesma: combater o fracasso escolar através de uma pedagogia mais eficaz, alicerçada sobre feedbacks freqüentes e pertinentes, bem como sobre uma auto- regulação (Groupe Français d'Éducation Nouvelle, 1996).
Que os adeptos da avaliação formativa sejam também ativos partidários de uma evolução da escola para pedagogias mais ativas e interativas de uma parte, mais reflexivas, de outra; quem se queixaria dessa proposta? Que a idéia de avaliação formativa contribua para renovar o debate pedagógico; há algo melhor? Isso não justifica que se amplie indefinidamente o campo coberto pela avaliação formativa. Conforme já indiquei, parece-me mais claro e mais fecundo conservar-lhe uma significação precisa que remeta a uma ação do professor. Isso não leva a isolá-la, salvo atendo-se alguém a definir um campo de pesquisa por uma única palavra-chave. (N do T. Institut NationaI de Recherches Pedagogiques).
Podem-se esboçar três subconjuntos:
Esses três campos poderiam ser esquematizados como segue:
Reconhecer que a avaliação formativa não é senão uma regulação por falta não é desvalorizá-la, mas afirmar:
Essa seria uma forma de haraquiri para os "especialistas" da avaliação? De modo algum. Há mais de dez anos eles tentam reencontrar a unidade dos processos, tanto da parte do aluno quanto da parte do professor e do sistema didático. Por que não tirar disso as conclusões epistemológicas que se impõem?
Em ciências humanas, seja pelo modo descritivo ou prescritivo, tratamos com totalidades complexas, que não são inteligíveis senão ao preço de um trabalho permanente de análise e de construção conceitual. A emergência da noção de avaliação formativa representou uma etapa imponente e permitiu aproximar avaliação e didática. Talvez hoje seja necessário ir rumo a uma redefinição explícita dos recortes e, portanto, de nosso vocabulário. Se a avaliação formativa é doravante concebida como uma modalidade dentre outras de regulação das aprendizagens, é melhor redefinir e renomear explicitamente esse campo mais vasto do que deixar duradouramente a parte representar o todo. Por isso, deve-se confiar a pesquisa sobre os processos de regulação somente aos didatas ou teóricos da aprendizagem? No estado atual da divisão do trabalho e dos territórios, isso não seria muito prudente, pelo menos por quatro razões:
Ser pragmático não é virar as costas à teoria, não é, como certos professores ficam tentados, "mandar para o espaço" os conceitos complicados e as hipóteses incertas sobre os mecanismos de aprendizagem. O que mais ameaça a idéia de regulação das aprendizagens é a confusão entre aprendizagem e atividade. Intelectualmente, cada um pode estabelecer a diferença entre a atividade mais ou menos visível na qual um aluno está engajado em um momento preciso e os conceitos, os esquemas, as habilidades que essa atividade, no melhor dos casos, contribui para desenvolver ou para consolidar. Infelizmente, no calor da ação, a distinção se dissolve.
Segue-se que inúmeras intervenções do professor não são reguladoras senão da atividade em curso e do funcionamento da classe. Isso é um problema? Sem dúvida, não se pode aprender sem ser ativo. Todavia, nem toda atividade gera automaticamente aprendizagens. A confusão entre regulação das aprendizagens e regulação das atividades é ainda maior porque a regulação é mais interativa, pois ela intervém no curso da atividade; na urgência, o professor deve conciliar ao menos duas lógicas:
Essas duas lógicas não se combinam facilmente. Nem toda decisão favorável à gestão da atividade em curso contribui necessariamente para a regulação das aprendizagens. Ao contrário, certas regulações das aprendizagens podem ser destrutivas ou perturbadoras para a atividade em curso. O problema continuaria complicado, mesmo que a dissociação fosse evidente e explícita. Na realidade, a aprendizagem que está sendo realizada não é observável. Fica-se, então, reduzido a indícios visíveis, dentre os quais o envolvimento na tarefa e a participação nas atividades coletivas. O professor deve, pois, no fluxo dos acontecimentos, conduzir uma dupla interpretação: de um lado, fixar e compreender o que o ajudará a animar a atividade; de outro, fixar e compreender o que o ajudará a favorecer as aprendizagens.
Um certo número de propostas das novas pedagogias pode aumentar a confusão. Elas insistem, com razão, sobre a importância da comunicação, dos projetos, das atividades-meio, das pesquisas, dos momentos de criação, etc. Essas atividades complexas apresentam uma dupla vantagem: de um lado, têm um sentido imediato para uma boa parte dos alunos e os mobilizam fortemente, com a condição de serem bem incentivadas. De outro, apelam para competências de alto nível taxonômico e favorecem, em princípio, aprendizagens transferíveis: saber antecipar, comparar, decidir, raciocinar, comunicar, negociar.
Para cumprir suas promessas, tais atividades exigem do professor que invista muito tempo e energia na preparação, na animação do grupo, na orquestração das atividades de uns e de outros. Preparar um espetáculo, montar uma exposição ou conduzir uma investigação são empreendimentos ambiciosos, que fazem correr riscos sociais, psicológicos, pedagógicos, às vezes, físicos, quando, por exemplo, se deixa à escola ou se trabalha com certos materiais ou certas ferramentas. Então, freqüentemente acontece que a vigilância do professor é inteiramente absorvida pela preocupação de fazer funcionar o grupo e contribuir para o avanço da tarefa.
Assim, as regulações dizem mais respeito à ação do que à aquisição de competências. Não se pode, pois, falar de avaliação formativa, mesmo implícita ou informal. O professor funciona como os alunos, ele está também centrado na tarefa de obter um bom resultado, mais do que na aprendizagem a construir. Ademais, freqüentemente ele tem consciência de conduzir o empreendimento e se acha, por conseguinte, duas vezes mais envolvido e responsável do que seus alunos... Claro, um professor experiente pode, ao participar ativamente da encenação de uma peça de teatro, da elaboração de um jornal ou da preparação de uma investigação, observar em seus alunos toda sorte de funcionamentos e de competências que motivarão mais tarde uma ou outra forma de intervenção didática. As situações de interação são, potencialmente, situações privilegiadas de observação. Ao vivo, a ação do professor consiste em assumir ou em organizar a resistência do real à ação, ou em se engajar ao lado do aluno para superá-la. O que lhe resta então como disponibilidades e como forças para fazer uma representação dos conhecimentos e dos processos de aprendizagem em jogo? Freqüentemente, pouca coisa. Sua ação é formadora, mas nem por isso há "avaliação formativa".
É difícil escolher entre o apoio a atividades promissoras e uma observação mais acurada do que se passa na cabeça dos alunos. Portanto, aqui se coloca um verdadeiro dilema: para manter as interações, uma pedagogia ativa exige opções e um olhar pouco compatíveis com a postura do observador atento. Ora, na aula, é preciso escolher. Por preocupação com realismo, Cardinet (1983b, 1986b) propõe, sobretudo em situação de regulação interativa, centrar a observação mais sobre as condições de aprendizagem do que sobre os resultados, que não aparecerão claramente senão mais tarde. Contudo, não é fácil, concretamente, dissociar as condições da aprendizagem do bom funcionamento global do grupo-aula ou mesmo da situação didática.
A regulação das condutas pode evidentemente, na melhor das hipóteses, provocar uma regulação das aprendizagens. Gerenciando o grupo e suas tarefas, o professor se engaja em interações com os alunos e, sobretudo, estimula-os a interagir entre eles. Resta saber, dentre essas intervenções, quais produzem aprendizagens, por modificação, diferenciação, coordenação dos conhecimentos e dos esquemas adquiridos e quais contribuem simplesmente para o bom funcionamento do empreendimento. É toda a questão das pedagogias ativas, dos trabalhos de grupo, das tarefas cooperativas, do conflito cognitivo. Como distinguir as interações fecundas do ponto de vista das aprendizagens, das interações úteis do ponto de vista do sucesso da atividade em curso? Como favorecer as primeiras contendo as segundas no limite do necessário? Essas questões poderiam ser melhor respondidas por uma metodologia da regulação do que pela avaliação formativa stricto sensu. Os processos em jogo são, em parte, da mesma ordem: identificar, no fluxo e na complexidade do real, as variáveis simultaneamente pertinentes e mutáveis...
As pedagogias ativas podem também, sob certas condições, estimular todos os mecanismos de auto-regulação ao mesmo tempo:
Paradoxalmente, a ampliação da perspectiva formativa a diversos modos de regulação tende a tornar a ação educativa simultaneamente mais eficaz e mais disseminada, porque aumenta, em conseqüência, o número de elementos a coordenar na classe A. A regulação se torna, mais claramente ainda, inseparável da administração da classe.
O angelismo é um dos defeitos da pedagogia diferenciada e da avaliação formativa Mesmo na universidade, não se pode agir como se todos os alunos tivessem constantemente vontade de aprender, soubessem porque vêm às aulas e quisessem cooperar para sua própria formação.
A avaliação formativa deve compor com outras racionalidades: os racionalidades desiguais dos sistemas escolares e dos estabelecimentos (Grisay, 1988), bem como as dos consumidores de escola (Ballion, 1982) e as de todos aqueles cuja preocupação é de se desprender da armadilha escolar (Becthelot, 1983) e de triunfar na competição pelos títulos e pelos cargos.
O contrato didático (Brousseau, 1980, 1994, 1996; Jonnaen, 1996; Joshua, 996h; Schubaue-Leoni, 1986, 1988) é o acordo "implícito ou explícito que se estabelece entre o professor e seus alunos a propósito do saber, de sua apropriação e de sua avaliação. Esse contrato, tal como funciona em muitas classes, quase não deixa lugar a uma avaliação formativa. Ora, o professor não é livre para redefinir esse contrato à sua vontade. As expectativas dos alunos se forjaram conforme suas experiências escolares anteriores; eles aprenderam que o ofício de aluno (Perrenoud, 1996a) consiste geralmente em saber e em mostrar, no momento certo, apenas o suficiente disso para ter paz; que arte consiste em trabalhar de maneira bem aplicada e intensiva apenas suficiente para que o tempo passe e que se chegue ao fim de um período sem atrair para si uma repreensão , um trabalho suplementar ou um atendimento od hoc; que obrigaria a ficar em sala de aula na hora do recreio ou a ir para uma aula de reforço".
É claro que, em uma classe, há alguns alunos dispostos a trabalhar mais do que a média, para aprender mais, agradar aos adultos ou outras razões. Esses prestar-se-ão de bom grado ao jogo da avaliação formativa, que exige sua plena cooperação, tanto no estágio da coleta da informação quanto no da regulação. Isso não é evidente em relação a todos os alunos. Alguns resistem à idéia de revelar sua maneira de se organizar, de pensar, de construir um texto ou um raciocínio, de levantar hipóteses. À curiosidade do professor a respeito de seus processos cognitivos, eles opõem uma resistência, ativa ou passiva. Ora, a intervenção que poderia ajudá-los a progredir supõe boa vontade, tempo, um trabalho suplementar e um face-a-face com o professor. Um certo número de alunos não aspira a aprender o máximo possível, mas se contenta em "sair-se bem", em chegar ao fim da aula, do dia ou do ano sem catástrofe, tendo poupado suas forças para outras atividades que não o trabalho escolar. Todo contrato didático é um acordo frágil: o professor deve "puxar" bastante seus alunos para que dominem uma parte do programa e se dêem bem na série seguinte, mas cuidando para não quebrar a dinâmica com exigências excessivas, que provocariam uma revolta aberta ou estratégias de defesa menos controláveis, absenteísmo, trapaça, atitude burocrática ou ausência de iniciativa (Chevallard, 1986a; Merle, 1996; Perrenoud, 1996a).
A avaliação formativa supõe sempre um deslocamento desse ponto de equilíbrio para mais trabalho escolar, mais seriedade na aprendizagem, menos defesas contra a instituição escolar. Para o aluno, as vantagens de um investimento mais relevante nem sempre são fáceis de antecipar. A escola, abusando do ritual "Pode fazer melhor!", pouco a pouco privou de credibilidade seu discurso incitante. Os alunos podem sentir-se na armadilha do jogo da avaliação formativa e da busca constante de mais domínio dos saberes e das habilidades, embarcados no "sempre mais". Outro aspecto: a avaliação formativa supõe uma visibilidade, uma transparência, que se opõe às estratégias de dissimulação das crianças e adolescentes acostumados às manhas do ofício de aluno. Os trabalhos sobre avaliação formativa prestam uma crescente atenção nos fenômenos de comunicação (Weiss, 1991), mas aí também o angelismo ameaça, como se verá no próximo capítulo.
O peso do contrato didático é ainda maior, porque a avaliação formativa e a diferenciação do ensino são muito desigualmente praticadas de um professor para outro, de uma série para outra. Cada professor que deseja praticar uma avaliação formativa deve reconstruir o contrato didático contra os hábitos adquiridos por seus alunos. Ademais, ele lida com algumas crianças ou adolescentes fechados em uma identidade de maus alunos e de oponentes. Mesmo que a avaliação formativa preveja os interesses bem compreendidos do aluno, entenda ele ou não, isso não é suficiente para assegurar sua cooperação...
A avaliação formativa e, de maneira mais geral, a pedagogia de domínio partem do princípio idealista e muito otimista segundo o qual é a competência que conta e que é
preciso, por conseguinte, otimizar os processos de aprendizagem para ampliar os saberes e as habilidades da maioria. Na verdade, o que interessa a uma parte dos alunos e de suas famílias é atingir, na hierarquia de excelência, uma posição suficiente para passar à série seguinte, ingressar na melhor habilitação, obter seu baccalauréat ou qualquer outro diploma almejado. Para isso, na lógica atual do sistema escolar, não é necessário.dominar o essencial dos conhecimentos e habilidades inseridos no programa. Basta ser melhor ou menos ruim do que os outros. A escola continua a ser um campo de batalha onde o que conta é a classificação, mais do que o saber (Perrenoud, 1995a; 1996a).
Em uma perspectiva estratégica, não é absolutamente indispensável que um aluno leve a sério todas as expectativas da escola. Para ter êxito no conjunto de uma carreira escolar, ele deve, ao contrário, saber "pegar e largar", investir em ramos seletivos no momento decisivo, depois se deixar viver, para recobrar forças, nas disciplinas secundárias ou nos períodos calmos do ano escolar. Na competição escolar, responder constantemente à mais exigente das normas não é a melhor maneira de sobreviver, mais vale saber dosar o esforço, manter a distância. A avaliação formativa e as pedagogias de domínio voltam as costas a essas estratégias utilitaristas, até mesmo cínicas. Postulam que o aluno não deveria parar de trabalhar antes de dominar sólida e duradouramente o essencial dos saberes e habilidades ensinadas, o famoso 80% de Bloom (1972, 1979, 1988). Aqueles que conhecem, por experiência, o bom uso da instituição escolar compreenderam que, nesse jogo, às vezes mais se perde do que se ganha.
Isso não quer dizer que a avaliação formativa será constantemente combatida. Ao contrário, ela será utilizada quando servir aos interesses das famílias e dos alunos melhor colocados, isto é, quando o investimento no saber parecer uma boa solução. Em todos os domínios em que basta fazer a prova e se está apto a passar para a série seguinte ou ao ciclo superior de estudos, é preciso contar com estratégias muito mais econômicas, e as famílias incentivam seus filhos a fazer "só o que é preciso".
A reflexão sobre a avaliação formativa insiste geralmente sobre a construção de uma representação dos conhecimentos e dos processos sobre a parte de interpretação do observável (Cardinet, 1986a e b). Este é evidentemente um aspecto decisivo. Se o professor não constrói para si uma imagem adequada do que se passa "na cabeça dos alunos", há pouca chance de sua intervenção ser decisiva na regulação da aprendizagem. Contudo, seria lastimável esquecer que a avaliação formativa não tem efeitos senão quando praticada em situação, por um agente que raramente a tem como única preocupação e cujas estratégias de ensino são limitadas tanto pelas exigências do meio quanto por suas próprias competências.
Mesmo no âmbito de um ensino frontal totalmente indiferenciado, a idéia de avaliação formativa conserva um certo sentido. Um professor universitário que se dirige a várias centenas de estudantes, rostos anônimos em um imenso anfiteatro, pode praticar uma parte de avaliação formativa caso se dê ao trabalho de ajustar o conteúdo e o ritmo de seu ensino às reações ou aos conhecimentos parciais de seu público. Portanto, a avaliação formativa é apenas uma expressão científica para caracterizar o fato de que nenhuma pedagogia, por mais coletiva que seja, é totalmente insensível às reações dos destinatários. Há sempre uma forma de feedback, nem que sejam os sinais de atenção e de interesse que o conferencista capte. Não é, evidentemente, sem importância organizar a coleta de informação fazendo de tempos em tempos uma sondagem, deixando um espaço para as perguntas, aplicando algumas provas antes de um exame final. Pode-se até, mais seriamente, construir testes criteriosos e avaliar periodicamente o nível de domínio dos estudantes.
Nascerá, assim, o paradoxo que me interessa aqui: quanto mais a informação se especifica, mais ela se individualiza. Para adaptar o ensino, então, não basta mais, por exemplo, reexplicar, desacelerar o ritmo, voltar para trás ou adotar um modo mais concreto de exposição. Todo público escolar, por mais selecionado que seja, é heterogêneo. Defrontados com o mesmo ensino, os alunos não progridem no mesmo ritmo e da mesma maneira. Caso se aplique uma avaliação formativa, cedo ou tarde sobrevém um momento em que é preciso render-se à evidência: nenhum ajuste global corresponde à medida da diversidade das necessidades. A única resposta adequada é a de diferenciar o ensino.
Que a avaliação formativa esteja ligada à diferenciação do ensino não é uma descoberta quando se está no âmbito das pedagogias de domínio (Huberman, 1988). A avaliação formativa parece, então, um componente obrigatório de um dispositivo de individualização das aprendizagens, de diferenciação das intervenções e dos enquadramentos pedagógicos, até mesmo dos procedimentos de aprendizagem ou dos ritmos de progressão, ou ainda, dos próprios objetivos.
(Em outros artigos) defendi a idéia de que havia uma parcela de avaliação formativa, ao menos potencial, em toda avaliação contínua e que não era preciso, por conseguinte, reservar a avaliação formativa para as classes e para as escolas abertamente engajadas em uma experiência pedagógica diferenciada. Ao contrário, é inútil insistir sobre a avaliação formativa onde os professores não têm nenhum espaço de jogo, onde a diferenciação não é senão um sonho jamais realizado, porque as condições de trabalho, o efetivo das classes, a sobrecarga dos programas, a rigidez dos horários ou outras exigências fazem do ensino frontal uma fatalidade, ou quase.
Praticada com uma certa constância, a avaliação formativa incita à diferenciação. Se esta última se chocar com uma resistência insuperável, seguir-se-ão conflitos e frustrações, portanto, uma regressão a métodos de ensino e de avaliação mais conformes às exigências dos professores. Há, em todo ator social, uma vontade de não saber aquilo com o que ele não pode fazer nada. É uma das formas de prevenção da dissonância cognitiva que todos praticam constantemente. Para que se chocar todos os dias contra os mesmos obstáculos? Ressaltei a importância do sonho na dinâmica de mudança das práticas para mais diferenciação (Perrenoud, 1996b). O sonho vira um pesadelo se terminar, sempre, em uma constatação de fracasso: "Não se pode fazer nada", "Isso não dá certo", "Isso não é suficiente", "Isso não vale a pena".
É, portanto, pouco razoável, tanto em teoria quanto na prática, pleitear uma avaliação formativa sem se preocupar imediatamente com o espaço de jogo de que dispõem os professores, de fato ou de direito, em uma organização escolar especial. Se eles não têm, ou pensam não ter, possibilidades de diferenciação, não há razão alguma que os engaje em uma avaliação formativa, que não lhes deixará senão amarguras ou frustrações. Saber mais sobre seus alunos, o que eles dominam, a maneira como aprendem só é motivador quando se pode reinjetar imediatamente uma parte dessas informações na ação pedagógica.
É natural que os especialistas da didática ou da avaliação cheguem o mais longe possível na construção conceitual e no desenvolvimento de modelos de avaliação formativa e de regulação. Lembremo-nos, todavia, de que não são os especialistas que atuam no dia-a-dia das aulas. Pode-se, certamente, "fazer como se" conceitos claros, modelos prescritivos realistas e uma formação adequada permitissem aos professores que se apropriassem da avaliação formativa e a pusessem em prática. O fracasso de inúmeras reformas autoriza tal otimismo? .
Parece-me mais razoável admitir que toda prática de avaliação formativa em aula passe por uma apropriação e uma reconstrução das intenções, bem como dos processos, que nenhum reformador, nenhum formador podem "programar" inteiramente do exterior. A aposta essencial é, parece-me, a identidade e a qualificação dos professores. Da identidade dependem os investimentos profissionais: enquanto um professor não se concebe como alguém capaz de fazer todo mundo aprender - com a condição de se entregar a isso de maneira adequada - não tem razão alguma para se interessar pela avaliação formativa. Enquanto um professor julga que o fracasso está "na ordem das coisas", que há bons e maus alunos, que seu trabalho é o de dar aulas e não o de assegurar uma regulação individualizada dos processos de aprendizagem, os mais sofisticados modelos de avaliação formativa continuarão sendo indiferentes para ele.
Não basta ser adepto da idéia de uma avaliação formativa. Um professor deve ainda ter os meios de construir seu próprio sistema de observação, de interpretação e de intervenção em função de sua concepção pessoal do ensino, dos objetivos, do contrato didático, do trabalho escolar. Propor modelos de ação que exigiriam do agente a renúncia ao que ele é, ao que ele faz de boa vontade, ao que ele crê justo ou eficaz não pode levar a uma mudança duradoura das práticas; daí a importância, nessa problemática como em muitas outras, de investir na qualificação pedagógica dos professores: "Mais vale aprender a pescar do que ganhar um peixe. 11 Uma prática da avaliação formativa supõe um domínio do currículo e dos processos de ensino e de aprendizagem em geral. De nada serve querer implantar um dispositivo sofisticado em uma pedagogia rudimentar. A avaliação formativa evoluirá, portanto, como a diferenciação do ensino, com o nível médio de qualificação pedagógica e de profissionalização dos professores (Gather Thurler e Perrenoud1 1988; Perrenoud, 1994a1 1996c1 1997e).
A avaliação formativa tem, historicamente, ligação com a pesquisa e as ciências da educação. Quer dizer que ela está muitas vezes do lado da racionalidade e, simultaneamente, da utopia. A própria noção de regulação funciona ainda melhor porque é utilizada em um nível elevado de abstração. Na imprecisão da ação cotidiana, torna-se difícil identificar o que cabe à regulação no fluxo dos acontecimentos. A avaliação formativa tem também um parentesco com a docimologia e as metodologias da medida, das quais herda as normas de eqüidade e de transparência e uma preocupação de precisão e de validade. Nesses dois domínios, mais valeria desfazer-se de um excesso de perfeccionismo e de igualitarismo para ir à direção de uma avaliação mais econômica e realmente praticável.
Quando a avaliação tem funções de prognóstico, é normal que diga respeito a todos os que visam seguir determinada formação exigente. Quando é certificativa ao fim de um ano escolar ou de um ciclo de estudos, a avaliação deve dirigir-se a todos os que pretendem obter um certificado. Quando é normativa e visa construir uma classificação e hierarquias de excelência, é justo que cada um seja submetido às mesmas provas em condições idênticas. É a moral do exame eqüitativo.
Quando se pensa em avaliação formativa1 deve-se romper com esse esquema igualitarista. Não há razão alguma de dar a todos os alunos a mesma "dose" de avaliação formativa. A diferenciação começa com um investimento na observação e interpretação dos processos e dos conhecimentos proporcional às necessidades de cada aluno. O paralelo com o diagnóstico médico se impõe: o importante não é administrar a todos os pacientes os mesmos testes, as mesmas análises, os mesmos exames. É chegar a estabelecer um diagnóstico correto para cada um, a identificar uma patologia e, se possível, suas causas. Em certos casos, o diagnóstico é mais do que evidente e não requer nenhuma análise especial. Em outros, ele passa por uma sucessão de hipóteses e de verificações que mobilizam equipamentos, especialistas, muito tempo e energia. Como o diagnóstico médico, a avaliação formativa exige investimentos diferenciados.
Essa diferenciação operar-se-á segundo vários eixos:
Uma avaliação formativa digna deste nome não produz informações e verificações por simples espírito de sistema ou de eqüidade para fazer funcionar uma máquina avaliativa ou para tranqüilizar quem quer que seja. Ela visa dar ao professor, nem mais nem menos, informações de que ele necessita para intervir eficazmente na regulação das aprendizagens de seus alunos. Deve também levar em conta a rotina, o erro de apreciação ou a imprecisão. Às vezes, um professor acha mais simples aplicar um teste a toda a classe do que se indagar longamente para que alunos ele é útil e como justificar uma diferença de tratamento. Pode-se, em uma perspectiva pragmática, aceitar que se avalie um pouco mais do que o necessário. Os médicos fazem também certos exames de rotina, "por descargo de consciência" e para ganhar tempo. Resta prevenir os abusos e, sobretudo, banir todo espírito igualitarista. Afinal, a única igualdade que conta é a das competências adquiridas!
Deve-se temer avaliar demais? Melhor dizendo, a avaliação formativa mesmo inútil, pode fazer mal? Consideremos pelo menos três aspectos:
Cardinet (1977,1979,1981,1982) insistiu na necessidade de distinguir as funções e de proporcionar os instrumentos e os procedimentos às finalidades da avaliação. Infelizmente, essa racionalidade continua a ser, muitas vezes, atacada pela confusão teórica ou pela esperança de "matar dois coelhos com uma cajadada só". É verdade que, enquanto a escola der tanta importância às notas e à avaliação formal, os professores ficarão tentados a fazer avaliação formativa "suplementarmente" e a utilizar informações e procedimentos que lhes são impostos pelo boletim escolar.
Allal (1983) situou claramente a questão: encontrar, para a avaliação formativa, uma linha mediana entre a intuição e a instrumentação. Isso não quer dizer que se deva praticar constantemente uma avaliação "semi-instrumentada":
Ser pragmático é ser eclético. É legitimar a subjetividade (Weiss, 1986) quando ela é defensável e eficaz, mas é também defender a instrumentação quando é indispensável em razão da complexidade ou da ambigüidade da realidade. A questão não é teológica, mas prática: a instrumentação é sempre mais custosa do que a intuição; não se justifica, pois, a não ser que esse custo seja garantia de representações mais acuradas ou mais confiáveis.
Já ficou claro que a abordagem pragmática aqui defendida não leva de modo algum a dar as costas à teoria. Para ser eficaz na regulação das aprendizagens, é melhor não se contentar com palavras, não se esconder atrás de princípios inaplicáveis. Mesmo que o pragmatismo desconfie dos modelos descritivos, exige uma lucidez constante sobre as condições e os limites da ação pedagógica, portanto, uma forma de teorização da aprendizagem e de seus mecanismos. Privilegiar a regulação é renunciar sem hesitação a atividades, meios, idéias que não ajudem a aprender, a despeito da dedicação com que se possa tratá-los por outras razões.
Para ser pragmático, com continuidade e método, é necessária uma grande coerência pessoal, aliada a uma certa tranqüilidade de espírito. Isso porque é quase indispensável que o pragmatismo seja compartilhado, assumido coletivamente por professores que visam juntos aos mesmos objetivos. Em matéria de avaliação formativa, não é pragmático quem quer: O pragmatismo custa talvez ainda mais, porque os professores que se engajam realmente em uma prática regular de avaliação formativa buscam nela uma forma superior de racionalidade...