Cipriano Carlos Luckesi
A modalidade dos exames escolares, que conhecemos hoje, foi sistematizada no decorrer do século XVI e primeira metade do século XVII. Os jesuítas em um documento publicado em 1599, denominado Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesus (Ordenamento e Institucionalização dos Estudos na Sociedade de Jesus, usualmente conhecido como Ratio Studiorum, formalizaram o modo de administrar a prática pedagógica em suas escolas, assim como um modo específico de examinar os estudantes no final de um ano letivo ainda está vigente em nossas práticas cotidianas. Por exemplo, lá está normatizado que no momento das provas, os estudantes não poderão solicitar nada que necessitem, nem aos seus colegas, nem àquele que toma conta da prova; não deverão sentar-se em carteiras conjugadas, porém se isso ocorrer, dever-se-á prestar muita atenção nos dois estudantes que estiverem sentados juntos, pois que caso as respostas às questões dos dois sejam iguais, não se saberá quem respondeu e quem copiou; o tempo da prova deverá ser estabelecido previamente e não se deverá permitir acréscimos de tempo, tendo em vista algum estudante terminar de responder a sua prova pessoal etc.. Genericamente, são regras que seguimos ainda hoje na escola.
Por outro lado, em 1632, John Amós Comênio, um bispo protestante, da Morávia, hoje Tchecoslovaquia, publicou um livro intitulado Didática Magna, cujo subtítulo é bem grandiloqüente: ou da arte universal de ensinar tudo a todos, totalmente. Nessa obra Comênio, definiu muitos elementos que ainda hoje estão presentes em nossas práticas. A pergunta afirmativa --- “que aluno não se preparará suficientemente bem para as provas se ele souber que as provas são para valer?” --- formulada por ele nessa obra, está presente na fala de quase todos os nossos professores. Nossos professores, usualmente, dizem assim para os seus alunos, ameaçando-os: “Olha, cuidado, estudem! Minhas provas são prá valer, hein!”. E outras coisas mais, como aconselhar os educadores a utilizarem-se do medo como recurso para conseguir que os estudantes prestem atenção às atividades em aula, na medida que a atenção é necessária para a aprendizagem eficiente.
Dessas sistematizações iniciais muitos foram os aperfeiçoamentos na modalidade dos exames no decorrer dos séculos seguintes. A partir do constituição da Psicologia como ciência e da emergência dos testes psicológicos em finais do século 19 e início do 20, especialmente, para a testagem da inteligência, nasceu, na pedagogia, a preocupação com os testes cientificamente elaborados. Foi um período de aperfeiçoamento dos instrumentos de testagem, mas não se questionava a validade dos exames. No anos sessenta, houve um incremento à discussão da avaliação mais em função da necessidade de se verificar o que se fazia com o dinheiro aplicado em educação; portanto uma preocupação mais com avaliação de programas educacionais do que com a aprendizagem. Nos início dos anos sessenta, o governo Kenedy, nos USA, estava preocupado com os resultados do programas educacionais norte-americanos. Então, nasceram os modelos de avaliação para programas de educação. Foram muitos os modelos. Popham, um estudioso norte-americano da avaliação educacional diz que foram tantos os modelos que o mais difícil não era utilizar os modelos, mas sim entender as diferenças entre eles. Cada autor criava um modelo diferente para avaliar os programas, variando desde “avaliação por objetivos”, “avaliação sem objetivos”, “avaliação interna”, “avaliação externa”, “avaliação natural”, “avaliação diagnóstica, formativa e somativa”, “avaliação diagnóstica, de entrada, processo e produto”, etc... Muitos!
No bojo desse movimento, sistematizou-se a Tecnologia Educacional, uma modalidade de ensino que vinha emergindo desde os anos trinta nos USA, e chegou no Brasil, com muita força, no final dos anos sessenta e inícios dos anos setenta, especialmente com o movimento em torno da Lei de Diretrizes do Ensino de Primeiro e Segundo Graus, promulgada em 1972, a famosa Lei 5692/71. Vivíamos um momento forte do colonialismo contemporâneo, via os mecanismos socioculturais. A tecnologia educacional trazia uma larga preocupação com a eficácia das ações educacionais. Ela se propunha a produzir resultados “custo-efetivos”. Tendo em vista buscar a efetividade, no seio da tecnologia educacional se pesquisou, se propôs e se exercitou processos avaliativos que garantissem essa eficiência. Então, a avaliação educacional ganhou bastante importância, por um viés eficientizante.
Nesse contexto, e nesse momento histórico, trabalhávamos muito sobre os procedimentos de avaliação e pouco sobre questões de fundo sobre essa prática. Pessoalmente, vivi esse momento. Iniciei a trabalhar com avaliação da aprendizagem em 1968. Então, produzi testes, quantifiquei testes, diagnostiquei o aproveitamento escolar com os testes, etc... Mas, já em meados dos anos setenta percebi que o caminho era insatisfatório. Havia necessidade de uma compreensão mais fundamental sobre essa prática. Assim sendo, aventurei-me a abordar a avaliação a partir de perspectivas diversas. Inicialmente, foi a questão filosófica da avaliação da aprendizagem, depois, a questão sociológica, a seguir a política; e, ultimamente, tenho estado atento às questões psicológicas e pedagógicas.
Então, a abordagem sobre a avaliação nasceu da insatisfação com os exames e com os tratamentos excessivamente técnicos anteriores. Penso que essa insatisfação se deu em variados lugares. Pessoalmente, comecei a trabalhar nele a partir de estudos filosóficos e políticos da educação, já no início da década de setenta. Posteriormente, descobri que também em outros espaços geográficos, também, nesse período inciavam-se estudos na mesma direção, tais como na Inglaterra, França, Suíça. Nos USA, havia a tradição mais tecnicista, iniciada com a tecnologia educacional. Deste modo, o novo em avaliação da aprendizagem veio da insatisfação com velho (exames jesuíticos e comenianos) e com o renovado (a pedagogia chamada científica do início do século e o tecnicismo).
Assim sendo, cabe perguntar, então: que é mesmo o ato de avaliar? Ele é uma forma de subsidiar a aprendizagem satisfatória do educando, através de seu acompanhamento rigoroso, tendo em vista o seu desenvolvimento. Na avaliação não se classifica o educando, mas tão somente ele é diagnosticado em seu desempenho, o que conseqüentemente implica em decisões a favor da melhoria de sua aprendizagem e, por isso mesmo, do seu desenvolvimento. Avaliar significa identificar impasses e buscar soluções. Nada mais que isso, o que implica em estar com os olhos voltados para a solução dos problemas detectados.