História das Ciências

A Construção do Modelo Atômico

Módulo 2

Por que um éter?

Dois modos de explicar a natureza da luz têm coexistido em toda a história das tentativas do homem para compreender o mundo físico. Houve quem pensasse que a luz era uma substância, um feixe de partículas que viajava da fonte até os olhos. Outros acreditavam que ela era uma forma, um arranjo particular ou movimento de coisas ao invés da coisa em si.

Embora, a maioria dos filósofos do século XVIII acreditasse na teoria de partículas para a luz, o século XIX trouxe mudanças.

Thomas Young e Augustin Fresnel provaram que a maioria das características da luz eram mais bem explicadas se a luz fosse concebida como uma onda, ao invés de corpúsculo. Com a teoria corpuscular da luz fora do cenário científico, era necessário, cada vez mais, fornecer um meio adequado à propagação da luz, visto que a idéia de onda pressupunha, até o momento, um meio de propagação. Era, portanto, urgente definir a natureza do éter, pois aonde quer que a luz fosse o éter deveria estar.

O éter dos fenômenos luminosos

A "moderna" noção de éter nasce com Descartes. Ele foi o primeiro a introduzir o éter na ciência, ao postular que ele tinha propriedades mecânicas. O espaço, na visão de Descartes é um plenum, estando ocupado por um meio que embora imperceptível aos nossos sentidos, é capaz de transmitir força e exercer efeitos sobre corpos materiais imersos nele - o aether como ele o chamava. Negar a ação a distância implicava que todo o espaço não poderia estar vazio e sim preenchido com partículas continuamente em movimento. Como não havia espaço vazio para o movimento, ele concluiu que as partículas se moviam na medida em que tomavam o lugar de outras partículas também em movimento. Portanto, o movimento de uma partícula do éter envolvia o movimento de uma corrente fechada de partículas e ambos poderiam constituir vórtices.

Newton uniu a física da Terra à física celeste através da Lei da Gravitação (1687), que permitia fazer previsões com sucesso. O vazio, a atração (ação à distância) e a aplicação universal da lei da atração restabeleciam a unidade física do Universo, isto é, um mesmo conjunto de leis regia todos os movimentos no Universo (dos planetas à maçã).

No que diz respeito às concepções da estrutura da matéria, Newton adotou a filosofia corpuscular de Boyle e introduziu entre seus corpúsculos a força de atração. Boyle, Gassendi e Hooke se inspiraram nas idéias atomistas de Demócrito, Epicuro e Lucrécio e confrontavam seus corpúsculos às idéias matemáticas de Galileu e Descartes. O mundo de Newton é composto de três elementos: matéria (corpúsculos), movimento e espaço e o que mantém e liga esse mundo é a força de atração enquanto o mundo de Descartes é constituído somente de extensão e movimento.

Newton, na questão 28 do Opticks, argumentava também contra a existência de um meio, provavelmente, o meio denso cartesiano, e o fato do movimento dos planetas não sofrer nenhuma resistência.

Foi somente na segunda edição inglesa do Opticks, (1717) que Newton se serviu da hipótese de um éter - "vibrações de um meio mais sutil que o ar". Nas famosas queries de 17 a 20, Newton sugere que vários fenômenos podem ser explicados supondo as tais vibrações e na questão 21, Newton atribuiu funções a esse meio que envolvem a gravitação.

O éter de Newton é extremamente rarefeito devido a sua grande elasticidade. Difere totalmente do plenum cartesiano e admite espaços vazios. Segundo Newton, o espaço é permeado por um meio elástico ou aether, que é capaz de propagar vibrações do mesmo modo que o ar propaga as vibrações do som, porém com maior velocidade. Esse éter invade os poros de todo corpo material e é a causa de sua coesão. Sua densidade varia de um corpo material a outro, sendo muito maior no espaço interplanetário livre. Não é necessariamente uma substância simples uniforme: mas assim como o ar contém vapor d'água então, o éter poderia conter vários "espíritos etéreos", adaptados para produzir o fenômeno da eletricidade, magnetismo e gravitação.

No éter do Opticks de 1717, não há referências a diferenças entre as partículas do éter, como no éter de 1678 (carta a Boyle). Bastariam, para impulsionar os corpos imersos no éter, as diferenças de pressão que surgem num meio com o gradiente de densidade suposto. Newton explica a elasticidade elevada do éter através de forças repulsivas de grande intensidade entre as suas partículas. Percebe-se, nesse éter, uma atividade antes não identificada. É possível, portanto, que tal éter seja imaterial, uma vez que a matéria para Newton é passiva.

Pode-se concluir que Newton tentou vários modelos diferentes de éter que podem ser resumidos em três fases: na primeira, apresentou vários modelos para um éter elástico (1670-1680); na segunda, rejeitou as especulações anteriores (1685-1713) e, na terceira, após 1717, retomou a proposta de um éter, porém, um éter ativo - dinâmico.

O éter luminífero foi abandonado a despeito do desenvolvimento da hipótese ondulatória de Huygens, e a teoria corpuscular de Newton para a luz foi adotada quase universalmente.

Alguns modelos de éter se destacaram ao longo do século XVIII, como o éter elástico e ainda cartesiano de John Bernoulli e o de Euler que antecipou Maxwell ao afirmar que o éter luminífero era o mesmo éter dos efeitos elétricos.  A despeito da afirmação de Euler de que um só éter serviria a todos os propósitos, houve, ao final do século, uma tendência, em alguns locais, para aumentar o número de "éteres", postulando mais um cuja função fosse transmitir o calor radiante. Em 1799, Thomas Young começou a escrever sobre teoria óptica. A partir dos fenômenos elétricos, argumentou a favor da existência de um éter e explicou a refração da luz pela teoria ondulatória. Ele adotou a teoria das atmosferas etéreas ao redor das partículas da matéria comum, em suas primeiras discussões sobre o modo de ação do éter. Supôs uma substância etérea universal, que considerava possivelmente como uma modificação do fluido elétrico. Young afirmava que luz, calor e poderes de coesão e repulsão dos corpos eram devidos ao éter. Embora ele abandonasse a tentativa para construir uma visão unificada do mundo nas bases de um éter elétrico, o conceito de éter luminífero como o veículo para propagação da luz e calor radiante se tornou o aspecto central de sua óptica.

De início, por analogia com o som, os físicos que adotaram a teoria ondulatória da luz julgavam que as ondas fossem longitudinais como as ondas sonoras, porém o fenômeno de polarização da luz, já conhecido na época não se explicava com esse tipo de onda.

Fresnel não conseguia explicar a polarização de outra forma que não fosse por meio das vibrações transversais, então, em setembro de 1821, ele admitiu  que as vibrações eram transversais. A luz era ainda tratada por analogia com as vibrações do som no ar e, portanto, arar as ondas transversais necessitavam de uma justificativa que envolvesse o meio de propagação. Dever-se-ia supor que o meio possuísse uma rigidez, ou poder de resistência à distorção, tal como manifestada pelos corpos sólidos, para serem capazes de vibrações transversais. Fresnel se debruçou sobre as propriedades mecânicas e sobre a estrutura que deveria ter um éter fluido, mas que transmitisse tais vibrações.

Pensava-se que o éter permeava todo o espaço, inclusive os lugares onde não havia ar e até mesmo no interior de alguns corpos sólidos, uma vez que a luz se propaga em linha reta através de quartzo, vidro e outros materiais. O éter seria um meio totalmente penetrante que se estenderia como uma geléia, pronto para ser vibrado de um extremo ao outro do universo. Deveria, contudo, ser rígido o suficiente pra justificar a velocidade da luz (analogia com as ondas sonoras) e elástico o bastante para permitir ondas transversais, mas isso era contraditório ao movimento dos planetas que se movimentavam nesse éter sem mostrar lentidão.

Em 1902, Mendeleiev publicou um pequeno artigo intitulado An attempt towards a chemical conception of the ether, no qual ele especulou sobre uma possível natureza química do éter. Como um elemento químico, o éter deveria apresentar uma massa e estar submetido à lei periódica. Sua massa devia ser inferior à do hidrogênio e muito próxima de zero e, de acordo com a sua inércia química, aliás, a única propriedade que lhe serviu de referência, Mendeleiev o concebeu como um gás pertencente ao grupo Zero, isto é à família do Hélio. No ensaio, em que ele colocou sua idéia sobre a classificação do éter, referiu-se brevemente ao "fato de que os átomos da ciência moderna têm sido freqüentemente explicados por anéis de vórtice". Mendeleiev, entretanto, permaneceu contra o monismo e naturalmente contra a concepção de um éter como uma substância primária.