(...) Certamente causará surpresa que não seja encontrado em um tratado elementar de Química um capítulo sobre as partes constituintes e elementares dos corpos. Deixarei assinalado aqui que essa tendência que temos de querer que todos os corpos da natureza sejam compostos apenas por três ou quatro elementos se deve em parte a uma idéia preconcebida que nos vem originalmente dos filósofos gregos. É uma pura hipótese supor a existência de quatro elementos que, pela variedade de suas proporções, compõem todos os corpos conhecidos. Ela foi imaginada muito antes das primeiras noções da Física experimental e da Química. Não se tinha ainda fatos, tratava-se de formar sistemas. Hoje, que já recolhemos fatos, parece que nos esforçamos em repudiá-los, quando eles não coincidem com os nossos preconceitos. Tanto isso é verdade, que o peso da autoridade daqueles pais da filosofia humana ainda se faz sentir, e ela sem dúvida ainda pesará sobre as gerações futuras.
Uma coisa muito notável é que não existe um químico que, enquanto ensina a doutrina dos quatro elementos, não seja levado pela força dos fatos a admitir que eles sejam mais numerosos. Os primeiros químicos que escreveram depois do movimento de renovação das Letras, das Artes e das Ciências, consideravam o enxofre e o sal como substâncias elementares que entravam na combinação de um grande número de corpos. Eles reconheciam, portanto, a existência de seis elementos, em lugar de quatro. Beccher admitia três terras, e era da combinação delas e da diferença entre as suas proporções que resultava, segundo ele, a diferença existente entre as substâncias metálicas. Stahl modificou esse sistema e todos os químicos que o sucederam tomaram a liberdade de introduzir-lhe modificações, e até mesmo de imaginar outros. Entretanto, se deixaram levar pelo espírito de seu século, que se contentava com afirmações sem provas ou que, freqüentemente, considerava como tais, evidências de probabilidade muito pequena.
Tudo que se pode dizer sobre o número e a natureza dos elementos se limita, na minha opinião, a discussões puramente metafísicas: procura-se resolver problemas indeterminados, que são suscetíveis de ter uma infinidade de soluções, mas é muito provável que nenhuma delas esteja de acordo com a natureza. Contentar-me-ei, portanto, em dizer que, se pelo nome de elementos pretendemos designar moléculas simples e indivisíveis que compõem os corpos, é provável que nós não os conheçamos. Se, ao contrário, ligamos o nome de elementos ou de princípios dos corpos à idéia do termo final a que chega a análise, todas as substâncias que ainda não conseguimos decompor, através do uso de qualquer processo, são para nós elementos. Na realidade não podemos garantir que esses corpos, que encaramos como simples, não sejam eles mesmos compostos por dois ou até por um número maior de princípios, mas uma vez que esses nunca se separam, ou melhor, já que não temos nenhum meio de separá-los, eles funcionam para nós do mesmo modo que os corpos simples, e não devemos supor que sejam compostos senão quando a experiência e a observação tiverem fornecido a prova.
Tradução de Micheline Nussenzveig e Maria Ignez Duque-Estrada (Ciência Hoje número 105)